A crença é apenas um dispositivo mental para se alcançar alguma coisa. Mas quando a crença se confunde com a verdade, então passa a ser dogma. Não importa no que seja que se acredite. Se alguém diz que alguma coisa é de determinada forma porque acredita, é porque é crença no sentido autolimitante. No entanto, a crença é uma ferramenta valiosa. Você pode conseguir muitas coisas na vida ao acreditar em seus objetivos, mas é somente isso, um meio para conseguir alguma coisa. Depois que consegue você pode se perguntar, e agora, o que eu quero mais?
Nem sempre você vai conseguir o que quer pela crença. Mas projetando o seu desejo no mundo é possível que o seu mundo se transforme de alguma forma nesse projeto. Você preparou o seu corpo e mente para isso, então você se transforma junto ao mundo. Você vai atraindo o que quer, você cria um foco, um filtro, nessa direção. Então é dito que se deve acreditar, e diz a canção “Quem acredita sempre alcança! ”. Mas a pergunta pode ser também, alcança o quê se você não sabe exatamente no que acredita? Quer dizer, se muitas vezes nos apoiamos em certezas mesmo sem saber, onde elas estarão nos levando?
Aqui entram algumas sutilezas no pensar e agir que devem ser levadas em conta. A crença nunca é a coisa em si, mas apenas um meio, e como meio nunca é o objetivo e muito menos a verdade final. A crença nunca é a verdade, mesmo durante o percurso para a realização de algum sonho. Se você se apega à crença em qualquer momento você está perdido.
Muitas vezes as pessoas pegam esse atalho, a crença como verdade, porque parece mais fácil acomodar-se do que continuar fazendo perguntas. Você pode continuar fazendo perguntas até chegar em Shunyata e aí você começa a ser tocado pela sabedoria, que é a forma dinâmica da verdade.
O silêncio é a maior pergunta de todas porque no silêncio você só ouve, no silêncio é só resposta, o tempo todo. Mas quando a crença é confundida com a verdade, o silêncio fica encoberto pelo samsara, que poderia ser definido como lugar das certezas estabelecidas, lugar da ilusão instituída, do sonho gerando mais sonho.
Há algum tempo me disseram que os preconceitos eram muito importantes e que não deveriam ser colocados em xeque. Muito bem, é assim que o cérebro funciona, estimando a realidade, baseando-se em memórias, não há nada de mal ou errado nisso, apenas que você não deveria se identificar nem com o seu próprio cérebro. Existe alguma coisa que podemos chamar de consciência vazia que é independente do cérebro, pois é capaz de observar o cérebro, ver como ele funciona e entender que, assim como a crença, o cérebro é apenas um dispositivo orgânico, enquanto a crença tem uma natureza mais sutil, ainda que proporcionada pelo órgão em questão.
A verdade suprema sobre todas as coisas é independente do cérebro, embora não vivamos sem ele.
Se alguma coisa consegue ver o cérebro funcionando de verdade, então essa coisa não se confunde com o cérebro, não está presa a ele. Porém, uma pessoa só sabe disso pelo silêncio. Por exemplo, um cientista estuda o cérebro e sabe tudo sobre o que a ciência sabe até hoje sobre o órgão. Mas ele ainda se baseia em ideias e conclusões e não no silêncio, então ele não pode se emancipar da consciência identificada com o próprio corpo e com o corpo cultural da ciência. Como a crença, a ciência é só um meio, suas certezas são mutantes e relativas.
Para navegar no samsara você pode usar a crença para conseguir coisas. Você pode clarear a sua mente se livrando das crenças, as suas e as dos outros. Você afinal pode se tornar bastante lúcido (a) se livrando de quase todas as crenças. No entanto, para que a sua mente se torne translúcida é preciso se livrar da última crença, aquilo que faz alguma coisa para se livrar.
Texto de Monge Seigen Sensei. Sangha Kyozen. Escola Soto Zen.