Quando estava no Japão, após as práticas e a refeição da manhã, nos reuníamos todos na porta lateral do templo, pegávamos as vassouras e as sacolas para o lixo e juntos varríamos a frente do mosteiro, em silêncio e de forma organizada, como que tivéssemos combinado antes. Após essa primeira atividade, que durava 30 minutos, cada um ia fazer uma atividade específica, segundo a escala do dia. Poderia ser limpar os banheiros, limpar o refeitório ou os incensários, um trabalho administrativo ou na cozinha… enfim, há muitas atividades para serem feitas em um mosteiro ou templo, e são os monges os responsáveis por isso.
A primeira vez que alguém ia fazer uma atividade, vinha seu senpai (pessoa mais antiga que o estava instruindo) e mostrava como fazer. Prestávamos atenção a instrução, em silêncio, somente aceitando a forma de fazer aquilo que fossemos designados, desta mesma forma ensinaríamos ao próximo e ao próximo. Sem julgar o modo de fazer, calando as opiniões, somente fazíamos e precisávamos calcular o tempo, pois teríamos uma hora para esta atividade. Após esse período, tínhamos 30 minutos para organizar nossos pertences.
Quando não tínhamos cerimônias solicitadas pela comunidade durante o dia, éramos chamados para fazer algum outro serviço como limpar o cemitério dos ancestrais, limpar um dos tantos templos e jardins, organizar habitações e roupas para os visitantes que viriam ficar, ajudar a servir as refeições em algum almoço especial. Sempre íamos todos juntos, saindo do mesmo lugar. Sem importar o que era, iniciávamos e finalizávamos juntos. Uma vez, os 25 monges em treinamento, juntos, nos reunimos e fomos até um armário. O líder, pegou uma pequena almofada, e nós direcionamos a outra sala onde ela seria necessária mais tarde e esse foi todo o trabalho, cada um voltou ao alojamento.
Todas estas atividades simples do dia-a-dia no Zen chamamos de samu, que nada mais é que trabalho. Porém tem uma grande diferença com a forma com que estamos habituados. Simplesmente aceitamos o que temos que fazer, fazemos da melhor forma possível, da forma mais ágil (e aqui estou falando no sentindo de destreza e não de rapidez, com presa) dando o nosso melhor, sem esperar nada em troca.
Na Comunidade Daissen, durante nossos encontros, realizamos a tarefa do samu, onde todos iniciamos e finalizamos juntos, pois somos um só, não temos separação. Por isto fomos todos para buscar uma pequena almofada… não é possível deixar um braço ou uma perna, precisamos estar por inteiro onde quer que seja, pelo motivo que for.
Samu é doação, entrega. Doo meu tempo. Entrego meu melhor. Em benefícios de todos os seres, que eu também faço parte.
O samu na Comunidade é uma forma de praticarmos juntos e de levarmos a mente do zazen para o dia-a-dia. É a prática no cotidiano. Também podemos realizá-lo nas nossas casas ou nos nossos trabalhos. Basta manter a mente do zazen ao que estamos fazendo. Sem pensar se gosta ou não gosta do que está fazendo; se quer ou não fazer. Somente dar o melhor.
Os praticantes da Daissen mais engajados realizam o samu fazendo com que ela exista e funcione. Mandando ou recebendo e-mail, organizando atividades, divulgando, fazendo o App, editando livros, ensinando. Tudo é um grande samu, que permite que a prática chegue a todos e ao mesmo tempo é a nossa prática pessoal. Pois a Daissen somos todos nós.
Gostaria de terminar com uma frase de um grande mestre, Shunryu Suzuki: “Como não posso fazer zazen todo dia, eu faço cerimônias. Como não posso fazer cerimônias todo o dia, faço samu. Como não posso fazer samu todo o dia, faço zazen”.
Texto de Monja Sodō. Monja na Daissen Ji. Escola Soto Zen.