Um filme, duas línguas, duas culturas, e uma jornada que marcou a história do Budismo. Xuan Zang (2016), produzido por Wong Kar-wai, com a direção de Huo Jianqi e o roteiro de Zou Jingzhi, conta a história da travessia do monge budista Xuanzang (602-664 da Era Comum), da China para a Índia, e de volta. Trajeto de cerca de 13.000km (6.500 de ida, 6.500 de volta), que levou ao monge 17 anos no total, é perpassado por vários desafios, provações, e bons encontros.
E, como o filme bem nos mostra, de cenários estonteantes do continente asiático. Proporcionando, ao espectador, impressões da vida na terra mãe da religião. O filme, de criação sino-indiana, parece preocupado em representar, com um bom cuidado e senso histórico, sua cultura, arquitetura e povo, convidando-nos a um vislumbre intoxicante de sua história, que nos deixa com a sensação de termos tocado, no intervalo de duas horas de sua duração, um registro fiel de parte importante da tradição budista Mahayana.
Xuanzang, a quem hoje agradecemos, mais notadamente, pela tradução do Sutra do Coração de seu original em sânscrito, nos explica o motivo de sua viagem:
O objetivo da minha viagem não foi obter ganho pessoal. Foi porque me lamentei de que, no meu país, a doutrina budista era imperfeita e as escrituras eram incompletas. Tendo muitas dúvidas, quis ir e descobrir a verdade, e por isso decidi viajar para o Ocidente, pondo a minha vida em risco, a fim de procurar os ensinamentos de que ainda não tinha ouvido, para que o orvalho dos sutras Mahayana não só fossem semeados em Kapilavastu, mas que a verdade sublime também pudesse ser conhecida em terras orientais. [1]
Após vencer os obstáculos da viagem árdua, passou por treinamento na anciã universidade de Nalanda, na Índia, onde aprendeu, sob a tutoria do abade Śīlabhadra, os ensinamentos da escola budista Yogacara. Lá, também, estudou gramática, lógica e a língua sânscrito.
Ao retornar à China, trouxe consigo mais de 600 textos budistas, e dedicou o restante da sua vida a traduzi-los, negando postos de oficialato oferecidos pelo então imperador Taizong de Tang, a favor de uma vida monasterial que possibilitasse sua missão. Esses textos profundamente influenciaram o desenvolvimento do budismo chinês, e, posteriormente, japonês.
A herança de Xuanzang, ao trazer, por exemplo, os ensinamentos dos grandes mestres irmãos Asanga e Vasubandhu, da linhagem direta de Śīlabhadra, dentre outros, para o extremo oriente, é tamanha, que se considera que ele é o responsável por toda a herança do pensamento Mahayana sino-japonês, desembocando nas escolas contemporâneas existentes nestas culturas.
Representado pelo ator chinês Huang Xiaoming, ou Mark Huang, somos beneficiados com uma atuação que nos proporciona um contato raro com a pele-e-osso dos ancestrais e seus grandes esforços que, hoje, tornam possível conhecermos o Dharma.
Falar qualquer coisa mais tiraria da experiência, de considerável valor didático, de assistir ao filme. Recomendo a todos aqueles, principalmente os budistas, que tenham interesse em nossa história.
Texto escrito por Matheus Anshin, Comunidade Zen Budista Daissen.
Fontes:
Xuan Zang (2016) com legendas em inglês: https://www.youtube.com/watch?v=ulDzLjz0wdw
Wikipédia anglófona
Imagens: IMDB
[1] Tradução para o inglês por Li Yung-hsi, do inglês para o Português por Anshin