Atuo com o meio ambiente há 10 anos, estando como servidora municipal na função de auditora fiscal do meio ambiente na minha cidade, porém, durante todo esse tempo, ainda não havia percebido as bases culturais, sociais e, consequentemente, legais, que embasam o regramento da proteção ambiental no mundo e no Brasil.
Recentemente foi lançado no Brasil o livro Ecodarma, Ensinamentos Budistas para a Urgência Ecológica de David Loy, editora Bambual. A leitura do livro, atrelado a minha prática budista, geraram em mim a reflexão a respeito da finalidade da proteção ambiental tal qual a conhecemos, especialmente no campo legal.
A partir da leitura do livro percebi de forma mais clara como o cuidado com o meio natural na perspectiva budista está distante do que realizamos em termos práticos como regramento legal. Tal distinção está atrelada, entre outros motivos, ao modo como formamo-nos, enquanto comunidade, no espaço de tempo. Segundo David Loy, a sociedade ocidental se desenvolveu historicamente pela busca de maior liberdade, concretizada por diversas revoluções e reformas. Ainda segundo Loy, a maioria desses movimentos de liberdade podem ser entendidos como “lutas para superar a exploração hierárquica que são formas de dualidade ‘meios-fins’”.
A sociedade de consumo atual potencializou ao máximo a ideia utilitaristas das relações não apenas entre os humanos, mas também, entre os humanos e seu meio natural. Nessa perspectiva dual, ‘meios-fins’ formou-se a concepção da proteção do meio ambiente na legislação ambiental no Brasil. O arcabouço dessa legislação está fundamentado na ideia de USO do meio ambiente para aproveito humano, consubstanciando a noção de desenvolvimento/crescimento sustentável.
O Brasil possui uma legislação ambiental, apesar de esparsa e com suas complexidades, admirada em outras partes do mundo pela sua preocupação com a sustentabilidade e com a preservação do meio ambiente. Ocorre que a concepção da proteção ambiental na legislação é motivada pela percepção da escassez dos recursos naturais.
A nossa Constituição Federal, que norteia toda nossa estrutura legal, demonstra essa ideia utilitária dos recursos ambientais em seu artigo 225, ao referir ao meio ambiente como direito de todos. Aqui percebe-se como o meio ambiente é concebido por uma visão antrópica. Isso dificulta uma percepção mais ampla a respeito de todos os seres que interagem no meio natural e toda a complexidade de interações dentro de um ecossistema. Assim descreve o art. 225 da Constituição Federal de 1988.
Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações.
Todavia, não é apenas na legislação brasileira que se percebe essa visão dual com o meio natural. As políticas de preservação do meio ambiente foram criadas recentemente na história da humanidade e tiveram como marco legal a Conferência de Estocolmo, realizada em junho de 1972. Nela, após diversas críticas da comunidade internacional, o Brasil editou o Decreto 73.030 em 1973, instituindo a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), que tinha como finalidade orientar uma política de preservação ambiental e o uso racional dos recursos naturais.
Porém, percebe-se que mesmo essa perspectiva limitada de preservação ambiental, que prioriza o uso sustentável dos recursos naturais, não está sendo bem-sucedida em seus objetivos no nosso país. O Brasil, apesar de seus esforços na criação de uma legislação ambiental protecionista, continua a se desenvolver de forma predatória e não sustentável. Assim, não podemos negligenciar o fato de que o modo como nos relacionamos com o meio ambiente é que determina como iremos agir com relação a ele.
Nessa perspectiva, é interessante observar o caso do Equador, que a partir da visão de mundo tradicional dos povos Quechua nos Andes, aprovou em 2008, uma nova constituição que expande ao mundo natural o direito de existir, manter-se e regenerar-se.
Assim, considerando que o Direito e nossas políticas públicas são um reflexo da forma como nos relacionamos, não impressiona o fato de não conseguirmos avanços significativos em termos práticos na preservação ambiental. O olhar budista da não-dualidade com o meio natural, da interconexão, da interdependência, tem muito a contribuir para se abrir novos caminhos, no campo da preservação ambiental seja na perspectiva pessoal seja no campo de políticas públicas.
Texto de Liana Oliveira Lopes Borges. Auditora Fiscal do Meio Ambiente, graduanda em Direito e praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.
Referências:
https://jus.com.br/artigos/58370/protecao-ambiental-no-brasil-e-no-mundo