Estamos cercados por uma grande quantidade de “movimentos” de sons e imagens que concorrem para estar todo o tempo nos chamando a atenção. Como são muitos apelos, eles duram por um curto período de tempo porque nossa atenção para com a maioria das coisas também é curta e fugaz e logo mais já sai à procura de algo novo e que venha rapidamente.
A sociedade capitalista desenvolveu estas características na gente e tem este resultado como a mola propulsora para o seu fortalecimento. Ela percebeu que este padrão atual faz gerar em nós uma inquietação de mente, uma avidez no modo de consumir os produtos e mercadorias, e nos tornamos escravos desses desejos desenfreados sem ao menos questionarmos em um lapso de consciência sobre a diferença entre o desejar e o necessitar. Queremos as coisas como se fossem volumes de preenchimento, quase como uma dependência capaz de nos tornar felizes.
Acontece que procuramos uma felicidade como resultado e não como processo, queremos estar sempre de boa a todo custo, forçamos a barra para que os nossos desejos imperem sobre os movimentos naturais da vida, queremos indicar sempre o caminho por onde a vida deve passar para que nos sintamos realizados. Pena que nos apoiamos em pontas de facas, nas quais, por qualquer alteração nos ventos da vida, nos desequilibramos e nos ferimos naquilo que antes parecia ser esse apoio. Quando é que teremos em nossas mãos as verdadeiras causas dessa tal felicidade que tanto idealizamos, se sempre repetimos os mesmos equívocos?
Perdi muito tempo de minha existência me comportando desta forma, procurando incessantemente por prazeres e emoções a todo custo, e isso certamente iria me custar muito caro, mais cedo ou mais tarde iria me causar muito cansaço, irritação e desassossego.
Mas será este cansaço, esta irritação e este desassossego tão negativos assim? No início tinha certeza que eram, mas com alguns poucos anos estudando e tentando praticar o Budismo percebi que não era bem assim.
Muitas pessoas começam e terminam suas vidas sem se tocar da grande ilusão de que é viver correndo atrás de obter uma felicidade fundamentada nos padrões estabelecidos, uma felicidade que vem em propagandas e que é fabricada.
Me considero uma pessoa muito sensível e talvez por isso tive a possibilidade de um dia, por algumas desilusões e outros meios hábeis, perceber que este é um esforço desnecessário para me sentir realizado. Terminei por tomar consciência disso e parti à procura do verdadeiro sentido para a minha vida, algo que pudesse ter fundamento e que fosse óbvio. Encontrei no Zen Budismo o que eu precisava para começar esta nova empreitada.
Por que estou escrevendo tudo isso? Porque é assim que me senti depois de muito ter perambulado querendo ser feliz na vida. Tem aquele desenho animado onde todo o enredo do filme se passa com um Coiote tentando capturar o Papa-Léguas e terminam todos os episódios e ele nunca consegue capturá-lo? Pois eram bem assim as minhas tentativas para ser feliz.
Quando percebi toda essa consciência se firmando em mim, senti um alívio por agora saber que a felicidade estava o tempo todo aqui, que do que eu realmente sempre precisei nunca houvera se ausentado de perto de mim. Mas, e aí, como seria a partir de agora? Agora eu teria e ainda tenho que aprender o contrário de muito que concebi para ter uma vida realizada.
Não seria mais “rápido” quando eram as propagandas que me mostravam esse caminho? Não seria mais prático quando a felicidade tinha um preço estipulado?
Pois é, seria, mas certamente o resultado seria também o de sempre, muita frustração. O caminho agora é inverso e exige maior investimento, investimento de energia, coragem, determinação e disciplina para desta vez poder alcançar um estado de plenitude, equilíbrio e contentamento.
Com isso, passei a observar mais e melhor tudo ao meu redor, só que por muito tempo estive acostumado a resultados imediatos, quase que instantâneos. E a minha mente ainda está habituada a isso e quer se irritar com facilidade com tudo ao meu redor, principalmente barulhos, TV, aglomerações etc., mas como já percebo este movimento da mente com mais clareza, não deixo que se manifeste em mim estas emoções ou reações negativas que poderão causar sofrimento.
Precisamos de muito treino para poder esperar os resultados que demorarão para acontecer, principalmente aqueles que se referem a uma reforma íntima sem que fiquemos impacientes e irritados. Às vezes acho que tudo está mais amplificado, parece que a capacidade de perceber as coisas ao meu redor através dos órgãos dos sentidos foram se tornando mais sensíveis aos estímulos do mundo: uma pequena coisa pode se tornar algo muito maior e as sensações acompanham tudo isso na mesma proporção.
Mas isso deve ter uma razão, não deve se tratar apenas de uma sensibilidade generalizada. Talvez pelo fato de praticar zazen, possa ter intensificado a função dos sentidos, não sei, mas acredito que na vida diária tudo isso deve ser equalizado para se ter uma vida com pensamentos, palavras e ações equilibrados.
Quando percebo que estou muito incomodado com aglomerações, agitações, barulhos etc., procuro não me deixar levar mais por estes estímulos ao ponto de me parecer uma pessoa indiferente a certas situações, mas o que acontece é que já estou com a energia esgotada, que “já deu”. Principalmente quando tenho que “forçar a barra” para permanecer em locais aos quais fui convidado a estar presente e permaneço apenas para manter uma aparente harmonia, fazendo um grande esforço para me adaptar àquele momento com tantos detalhes que não tem nada a ver comigo e com o que hoje realmente é importante para mim.
Não considero uma questão especial ser altamente sensível, cada um tem a beleza e a dificuldade de ser quem é. Mas acredito que a prática da meditação (zazen) associada a esta minha condição facilita que eu tenha também maior sensibilidade aos detalhes dos acontecimentos. E isso bem equilibrado pode reforçar a minha prática no que concerne a olhar com mais empatia e compreender o sofrimento meu e dos outros, inclusive daqueles que levam a vida achando que a solução para as suas angústias existenciais ou a busca da felicidade e realização reside no caminho do “ter”.
É no caminho do “ser” que uma pessoa sensível poderá ser mais útil ainda: por sentir demais sentirá com o outro, por ouvir demais ouvirá mais nitidamente as lamentações do mundo e por ver demais poderá agir na sua própria vida de modo a beneficiar a todos os seres.
Depois que compreendi isso e que me esforço sempre para equilibrar esta sensibilidade pelos ensinamentos de Buda, hoje posso compreender que é melhor ouvir barulhos em volumes altos como uma festa de adolescentes e adultos costumam fazer, ouvir os cânticos e rezas nos alto-falantes das igrejas, ouvir o homem gritando as promoções da loja nas calçadas do centro da cidade e até mesmo o carro da pamonha anunciando suas vendas (risos) do que ter que ouvir sons de balas de canhões e revólveres destruindo cidades, do que ter que ouvir gritos de civis desesperados e crianças órfãs chorando.
Agora esses são os meus reais recursos diante de tudo o que me incomodar, como o Sensei Genshô sempre fala: “precisamos olhar para tudo com os olhos de Buda”.
E para finalizar digo que não é à toa que no Caminho Óctuplo Buda coloca “a visão correta” como a primeira forma de se praticar o Dharma, porque com a visão correta todos os outros sete serão realizados de forma correta também.
Que possamos continuar praticando. Gasshô!
Texto de Fábio Chaves Brito. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.