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O fluxo do pensamento sob a perspectiva da neurociência

 

 

“O grande mestre Yaoshan estava sentado em zazen.

Um monge lhe perguntou: ‘Em zazen, o que você pensa?’

Yaoshan respondeu: ‘Penso em não pensar’

‘Como é pensar em não pensar?’

Yaoshan replicou: ‘Além do pensar’”

 Zazenshin, Shobogenzo

 

Quando começamos a praticar zazen, recebemos a instrução de retornar ao momento presente todas as vezes que nos flagrarmos seguindo o fluxo do pensamento. À medida que desenvolvemos a habilidade de retornar ao “agora” e simplesmente existir com todas as coisas, também passamos a perceber com maior clareza essa corrente de ideias, o macaco louco pulando continuamente de galho em galho.

Nos últimos anos, neurocientistas acreditam ter identificado as áreas cerebrais responsáveis por esse fluxo involuntário de pensamentos. No meio científico, ele é frequentemente chamado de processamento cognitivo espontâneo. Em vários estudos que utilizaram técnicas de neuroimagem funcional – um tipo de tecnologia que nos permite identificar as áreas cerebrais mais ativas durante a execução de tarefas previamente padronizadas – observou-se que um determinado conjunto de áreas estava associado à ativação desse fluxo. Como era esperado, elas estão localizadas principalmente no hemisfério esquerdo do cérebro, o lado reconhecidamente associado à linguagem. Dizendo de outra forma, essas áreas são responsáveis pela produção de uma cadeia de associação semântica, onde a eclosão de uma ideia favorece o surgimento de outra com a qual guarda alguma relação de significado.

Um estudo muito interessante conduzido por pesquisadores da Universidade de Emory (Atlanta, EUA) comparou a ativação da cadeia de pensamentos em praticantes do Zen e em não meditadores. Os meditadores incluídos na pesquisa tinham pelo menos três anos de prática diária, enquanto os não meditadores eram pessoas que nunca haviam praticado nenhum tipo de meditação. O experimento era relativamente simples: os participantes deveriam ficar deitados em uma máquina de ressonância magnética, de olhos abertos, olhando para uma tela disposta à frente dos olhos e focados na própria respiração. Durante o exame, a intervalos não regulares, seriam projetadas na tela ou “palavras reais” (aquelas que existem no idioma) ou “palavras falsas” (aquelas que soam como palavras, mas que não existem no idioma). Quando isso acontecesse, os participantes deveriam sinalizar qual das duas apareceu na tela e retornar imediatamente o foco para a respiração. O objetivo dessa tarefa padronizada era disparar a ativação do processamento cognitivo espontâneo (ou seja, da cadeia de pensamentos) de forma involuntária, e observar quais áreas cerebrais seriam ativadas. Lançando mão de técnicas de neuroimagem funcional por ressonância magnética, os pesquisadores observaram que a tarefa resultou exatamente na ativação das áreas cerebrais associadas à cadeia de pensamentos. Mais que isso, observaram que os meditadores retornavam mais rapidamente ao foco na respiração, parecendo menos sujeitos ao encadeamento involuntário de pensamentos.

Além da constatação do efeito da prática do zazen sobre a habilidade de focar a atenção, esse estudo chamou a atenção para a potencial relevância clínica do tema, sobretudo em condições psiquiátricas caracterizadas por ruminação excessiva, como o transtorno obsessivo compulsivo, o transtorno de ansiedade e a depressão.

 

Texto de Dr. Gutemberg Guerra. Neurologista. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

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