Paz é Cada Passo: Aprendendo Sobre o Kinhin com Komyo Sensei

 

Por meio dos diversos textos apresentados na Coluna de Meditação, sempre buscamos falar que existem muitas técnicas de meditação e apresentar um pouco sobre elas. É possível fazer meditação sentados, cantando mantras, focando na respiração ou apenas olhando para a parede sem foco. E existe também a possibilidade de se meditar andando. Algumas escolas budistas exploram essa possibilidade e na tradição Zen Budista essa técnica é conhecida como kinhin.

Segundo o mestre Zen Vietnamita Thich Nhat Hanh, a paz está presente exatamente aqui e agora, dentro de nós e em tudo que fazemos e vemos. Para ele, podemos sorrir, respirar, caminhar e comer nossas refeições de uma forma que nos permita estar em contato com toda a abundância e felicidade já disponíveis nesse mundo.

Em meio a uma sociedade que dá tanta importância à agilidade, rapidez, eficiência e sucesso material, a habilidade de caminhar calmamente em paz é realmente algo extraordinário. E é por isso que nesta edição exploramos um pouco sobre o kinhin em uma linda conversa com Komyo Sensei, monge zen budista na comunidade Daissen.

 

Como fazer kinhin:

Komyo Sensei: Como foi dito em relação à pergunta sobre o que é o kinhin e como fazer, a técnica pode variar dependendo das escolas budistas. Na Soto Shu, e em grande parte das escolas Zen, o kinhin é feito levantando-se e mantendo posição de shashu, colocando-se as duas mãos sobrepostas na direção do peito. E a verdadeira técnica seria você fazer uma inspiração, dar um passo; fazer a expiração, dar outro passo e assim por diante. Isso mantendo a respiração muito calma, num ritmo bem tranquilo e lento, de forma que o ritmo do kinhin seja sempre muito devagar.

Algumas pessoas praticam o kinhin com a ideia de que cada passo precisa ser MUITO lento, não é bem assim. O ritmo dado no kinhin é o ritmo da inspiração e da expiração. É uma inspiração profunda e uma expiração vagarosa. Isso faz com que o ritmo do kinhin seja bastante lento, mas não seja praticamente parado, como algumas pessoas acham.

Na escola Tiep Hien, o kinhin é feito sem essa regra de passo excessivamente lento; continua a técnica de atenção à respiração, mas existe uma técnica, ensinada nessa tradição, em que você encontra o seu ritmo. Assim a caminhada é um pouco mais rápida, mas enquanto você caminha, você mantém a atenção à respiração. Então, por exemplo, você pode fazer três inspirações, três passos, uma inspiração, dois passos, uma expiração.

Se nós observarmos enquanto nós caminhamos na calçada por exemplo, esse ritmo, que é o que eu pratico quando eu caminho normalmente em algum lugar, você inspira e dá tempo de você fazer três passos, porque a sua inspiração é lenta, os passos são mais longos. E quando você expira, a expiração é um pouco mais rápida, então dá tempo de você fazer dois passos. Então, 3 passos, inspira; 2 passos, expira. Essa é uma técnica que é uma variante da técnica kinhin mais tradicional, não é?

É muito agradável e é muito útil. Também pode ser feita como uma substituição, de certa forma, da prática de zazen e o uso do seu dia a dia como um elemento válido para o zazen. Então, quando você está caminhando e fazendo essa técnica, você está fazendo zazen. Concentração, cuidado, observando os sons e as coisas à sua volta, mas também se observando internamente. Todos os elementos do zazen estão ali.

Embora na tradição Soto o kinhin seja usado como intervalo para descanso e seja até permitido que durante o mesmo algumas pessoas possam sair e ir ao banheiro, a essência da experiência de zazen não se perde quando o kinhin é feito corretamente. Em geral, em monastérios mais tradicionais, o kinhin é valorizado tanto quanto o zazen. A diferença é apenas que durante o kinhin a sua perna descansa um pouco, a circulação do sangue melhora, isso é muito saudável, é muito bom.


Com que mente nós fazemos o kinhin?

Komyo Sensei: Com a mente atenta, concentrada, exatamente como a mente do zazen. Para pessoas que têm dificuldade física de ficarem sentadas por muito tempo, o kinhin é uma ótima opção. Na minha visão, na minha forma de ensinamento, o kinhin é uma ótima opção porque você estabelece a mente no mesmo jeito que o zazen: a profunda atenção é focada na experiência de consciência externa e interna, no seu equilíbrio, pensamentos precisam ser observados, não se pode perder-se no pensamento. Os pensamentos são considerados como nuvens no céu azul, você não se perde nos ensinamentos. Exatamente todas as indicações de um zazen são mantidas num kinhin feito corretamente.

Na escola Tiep Hien, do Thay, de Thich Nhat Hahn, é ensinado que nós podemos usar uma pequena frase, embora eu particularmente não goste, mas é assim como eles são ensinados, porque há o risco de se criar, transformar a frase numa bengala, né? Mas, se você fizer corretamente, isso não acontece. E a frase na inspiração é quando você pensa: eu cheguei; e quando você toca o solo na expiração você pensa: estou em casa. A ideia dessa frase poética do mestre Thich Nhat Hahn é de reforçar a ideia de que enquanto nós damos cada passo nós estamos nos firmando no momento presente.

O kinhin, portanto, é uma técnica tão importante quanto o zazen. É a técnica de você se manter no momento presente, você não está indo a lugar algum, você está sempre chegando em casa. Chegar em casa aqui é estar no presente, habitar no momento presente. Então, essa é outra técnica possível, embora não seja tradicional da escola Soto Shu.

Na Soto Shu continua sendo a mesma técnica do zazen: manter o silêncio da mente, não se prender a nada, manter a concentração na respiração, observar pensamentos, sentimentos, sensações, não rejeitar o que se percebe fora como sons etc. Não se rejeitar o que se percebe dentro. Essa é uma técnica, na minha opinião, mais ideal porque ela evita a repetição de frases.

Na tradição budista o kinhin é uma prática de meditação enquanto nós andamos passo a passo. Mas o kinhin como técnica não se restringe, por exemplo, à escola Zen. Existem variações de meditação andando em outras escolas e mesmo dentro da escola Zen, dependendo se é a Soto ou se é a Rinzai, a forma de kinhin pode variar um pouco.

E o termo kinhin, literalmente, numa tradução mais livre, significa caminhar em linha reta para frente e para trás. É o que significa a ideia da técnica. Na Soto Shu o kinhin essencialmente é uma técnica que é usada para ajudar um pouco a descansar as pernas após períodos de zazen. E em geral o kinhin é usado entre uma prática de zazen e outra, seja durante um retiro meditativo, seja em alguma prática diária em um monastério.

Existem formas de kinhin em que são feitas apenas o kinhin. Por exemplo, na escola da qual eu fui parte, que é a escola do Thay, de Thich Nhat Hahn, a Escola Zen Vietnamita, de fundo Rinzai, há uma grande ênfase, na meditação andando. Ela é considerada uma prática extremamente importante e o kinhin nesse caso específico, da Escola Tiep Hien, sai do zendô e vai para a calçada, enquanto caminhamos, num parque, ou seja, a caminhada em plena atenção ocorre em vários lugares.

 

Qual a importância do kinhin?

Komyo Sensei: Essa é uma pergunta um pouco delicada porque vai depender muito do professor que ensina a prática. Como a pergunta é dirigida a mim, eu digo que considero o kinhin importantíssimo, e deveria ser valorizado no mesmo nível da experiência do zazen. Quando praticada da maneira correta, (e eu já fiz práticas de kinhin de meia hora, de 40 minutos), ela é uma experiência profunda e que pode levar a grandes realizações internas. O valor, portanto, depende muito de como você usa o kinhin a seu favor.

Contudo, em ambientes formais, e especificamente na Escola Soto Shu, o kinhin é valorizado, mas como eu disse, ele frequentemente é usado como intervalo para ajudar um pouco na circulação das pernas e depende muito do professor de Dharma pra indicar o nível de valorização. Algumas pessoas, principalmente em retiros, veem o kinhin apenas como intervalo e não trabalham muito a concentração durante o mesmo. Isso não é correto, não é adequado, em minha opinião. Mesmo sendo considerado um intervalo em que até pode se sair para ir ao banheiro fazer necessidades, é preciso voltar antes do kinhin terminar. Evidentemente, mesmo nesse caso, para quem deseja se manter no zendô e continuar no kinhin, precisa ser levado muito a sério porque ele não é uma técnica leviana, ocasional. Ele é uma extensão do zazen. Nós precisamos entender o kinhin dessa forma. Nós nos levantamos pra relaxar as pernas, mas nós mantemos a mente do zazen, nada se perde. Portanto, eu normalmente como Sensei, sempre valorizo o kinhin e toda oportunidade que tenho, procuro ensinar o kinhin dessa forma.

 

Entrevista realizada por Fusô san e monge Mushin, da comunidade Daissen Ji. Escola Soto Zen.

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