Durante quase toda minha vida procurei por alguma coisa, faltava algo, não me sentia pertencente à nada. Como eu não sabia o que procurava, não sabia identificar o que encontrava. Passei tempo demais tentando entender quem eu era, tempo demais olhando para mim mesma frente à vida, frente ao mundo, prestei atenção demais nas diferenças e me sentia à margem de tudo. Passei boa parte da vida tentando encontrar respostas em diversas religiões e filosofias diferentes. Contudo, nada parecia “certo”, nada parecia se encaixar.
Além das questões existenciais, sempre tive uma mente muito inquieta, agitada, para mim parecia impossível viver o aqui e agora, vagava entre os momentos passados e anseios do futuro, entre “porquês” e “se”, entre minhas dores e minhas ideias, minhas ilusões e minha falsa percepção da realidade.
Em 2014, passando por uma banca de jornais, vi uma revista sobre a história de Sidarta Gautama e do Budismo, naquele momento tive o impulso que me levou à comprar aquela revista. Fiquei fascinada com a leitura, o que mais me chamou a atenção foi a tradução (errada) de dukka, que dizia que a vida é sofrimento. Naquela ocasião eu não sabia sobre o erro comum de tradução, uma vez que a Primeira Nobre Verdade não diz que a vida é sofrimento, mas ler aquilo me fez sentir que alguém me entendia, já que eu também achava que a vida era sofrimento. Assim continuei a pesquisar sobre o Budismo. Entre erros de julgamentos, traduções erradas, projeção do meu próprio ego nos ensinamentos, continuei estudando por um tempo, mas aquilo perdeu a força, me deixei levar por alguma emoção eufórica que apareceu em seguida e o Budismo voltou a adormecer em mim.
Os anos passaram, levei minha vida e minha mente da mesma forma, sofrendo com cada revés do caminho, quando em 2019 o Budismo bateu mais uma vez à minha porta: vi um perfil no Instagram, o Sobre Budismo. Numa terça-feira, acompanhei a live do Sobre Budismo com o Genshô Sensei. Nunca tinha visto alguém com um semblante tão sereno e compassivo, nunca vi ninguém tão centrado e atencioso, cada palavra do Sensei atingia diretamente meu coração. Naquela pequena palestra ele falou sobre dukka, e seu verdadeiro significado, que a vida é cíclica, repleta de altos e baixos e por isso insatisfatória, e é isso que Buda ensinava: a liberação desse sofrimento. Naquele momento, percebi como estive tão centrada em mim o tempo todo e como isso modificava a forma como eu enxergava a vida e me separava dos outros. A vida não era sofrimento, meus olhos deludidos que enxergavam assim, meu apego que não me permitia aceitar a impermanência e interdependência das coisas. E não era sobre mim.
Busquei mais e mais vídeos do Sensei; não havia um dia que eu não assistisse aos ensinamentos. Fiquei compelida a saber quem era esse monge que falava de uma forma que tudo fazia sentido, que eu me sentia feliz e não sabia explicar de onde vinha tal felicidade. Comecei a sentar em zazen, sentava errado, não sabia o que estava fazendo (até hoje não sei bem – risos), mas mesmo assim, mesmo que minha mente parecesse implacável, quando eu me levantava as coisas pareciam diferentes. Então compreendi de onde vinha a felicidade, ela surgia da breve quietude da minha mente. Compreendi também porque nos anos passados o Budismo adormeceu em mim e não levei a prática à frente, aquele eu do passado não estava pronto. E sobretudo porque faltava o mestre, isso fez toda a diferença, era daí que vinha a felicidade, ela nascia do encontro com o mestre.
Com o encontro com o mestre, encontrei o Caminho, aquilo que eu procurava e não sabia o que era, as respostas para insistentes perguntas e outras mais perguntas que ainda estão sem respostas, talvez porque não sejam para serem respondidas, pelo menos não com palavras. Com isso encontrei também algo muito precioso: a sangha.
Nunca gostei muito de grupos. Era sempre os OUTROS e EU. Até o dia que me sentei em zazen, no meu primeiro zazen com a Daissen Virtual Iniciantes. Ali as pessoas eram tão generosas, compassivas; os voluntários estavam ali para ajudar, puramente, as outras pessoas, só ajudar, não receber nada. Naquele mesmo dia me inscrevi como colaboradora, não achei certo ganhar algo tão maravilhoso e não dar nada em troca.
Com o tempo fiquei mais presente nas práticas virtuais e gostava de, mesmo à distância, conhecer a imagem de cada um pelas pequenas câmeras do Zoom. De uma forma tão natural me sentia pertencente àquele grupo e me sentia ajudada por cada um a cada prática, como se sentíssemos a mesma coisa, estivéssemos ligados de alguma forma, e hoje sei que estamos. Iniciei os estudos no CED (Curso sobre Ensinos do Dharma), o que me deu mais oportunidade para conhecer o Dharma, e também os praticantes e monges e afirmar ainda mais a minha certeza de que estava no lugar certo.
Ao longo desse tempo foram muitos zazen, muitos dokusan com o Sensei, me tornei voluntária, hoje estou como editora no jornal Budismo Hoje, recentemente, fui ao meu primeiro sesshin, que foi uma experiência inigualável, e pude conhecer pessoalmente meus companheiros e companheiras do Caminho. A Daissen na minha vida hoje é o caminho, são meus amigos, meus irmãos, é a força que me motiva todos os dias, amo cada um de todo coração. Eu, a pessoa que não gostava de grupos, não me vejo sem essa comunidade, que para mim significa amor, compaixão e generosidade. A cada dia aprendo pelo exemplo de cada praticante, pelos ensinamentos e sabedoria do Sensei. Há 20 anos nascia, por meio dos esforços de muitos, a Daissen, e sou imensamente grata por cada um que tornou a nossa prática possível hoje. Agradeço a existência do Sensei e todos os esforços que ele diariamente faz em benefício de todos os seres.
Durante muito tempo minha mente me fez acreditar que era separada, e que estava sozinha, mas isso é ilusão, como Buda disse somos interdependentes. Não chegaremos a lugar nenhum sozinhos e fico imensamente feliz por ter encontrado a Daissen, com ela encontrei o mestre, Buda e o Dharma. Finalmente, achei o que procurava. Hoje sei que estou no caminho certo e “os companheiros são todo o Caminho”.
Depoimento de Débora Muccillo. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.