De frente para a parede, em profundo silêncio, o nascer do dia é pressentido.
O tambor marca as horas e o sino de metal juntamente com o som da madeira repetidamente atingida por um martelo nos lembram a fragilidade da experiência humana.
Cada instante é precioso, único, e contém todo o Universo.
Em fila, os mais de 70 praticantes carregam reverentemente suas tigelas em direção ao refeitório. Antes de levar à boca cada porção de alimento, são convidados a refletirem sobre “os inumeráveis esforços necessários para que ele chegue até nós”. Alimento percebido como um remédio, apenas o suficiente para que possamos continuar a praticar com e por todos os seres.
E esse alimento simples e nutritivo nos foi oferecido pelas irmãs beneditinas, nossas anfitriãs. Sempre com sinceros sorrisos nos rostos, recebem-nos como receberiam ao próprio Cristo, nos explicou a abadessa.
“Ora et labora” disse o monge italiano mais tarde conhecido como São Bento, “um dia sem trabalho, um dia sem comida” ensinou Pai Chang, o monge chinês que estabeleceu muitas das regras dos mosteiros Zen.
No dia de nossa chegada, descobrimos que a abadessa gosta muito de trabalhar com jardinagem e nos dias que seguiram esse primeiro encontro, no nosso horário de pausa do Zazen, fazemos samu, nosso trabalho diário, tirando as ervas daninhas dos jardins e hortas da Abadia.
Antes do anoitecer, às Vésperas unem monges Zen, praticante leigos e as irmãs beneditinas. Suas vozes convidam lágrimas e, ao final da cerimônia, todos juntam as palmas e se inclinam em reverência para aquelas que tão docemente nos receberam.
Um exemplar das regras de São Bento é entregue pela abadessa cristã ao abade Zen budista. Os dois com amplos sorrisos e olhares brilhantes. Cada instante é precioso, único, e contém todo o Universo.
Por Monge Muryo 無量, Monge na Daissen Ji. Escola Soto Zen.