Comecei a minha prática regular no Zen e no Daissen-Ji há pouco mais de um ano, no início de outubro de 2021. Na verdade, já vinha acompanhando os canais da Sobre o Budismo e o Mestre Genshô Sensei havia três meses, mas ainda não tinha abraçado o zazen como prática exclusiva. E toda a minha prática ao longo deste período tinha sido por meio do Daissen Virtual, sem qualquer contato presencial com outros praticantes ou mesmo com qualquer pessoa que se considerasse budista. Enfim, em agosto de 2022, consegui me organizar para participar do meu primeiro Sesshin (o célebre retiro zen-budista), que aconteceu sob a organização da comunidade da cidade de João Pessoa-PB. Ali, pela primeira vez, estive frente a frente, de corpo presente, com budistas de verdade! E senti medo.
É conhecido dos praticantes budistas, em especial os do Daissen-Ji, que os retiros são oportunidades excelentes para experiências profundas de aprendizado na prática – parafraseando Genshô Sensei, é uma crise artificialmente criada para a mente, para ensiná-la a se assentar ao longo de um período de grande redução de estímulos externos. Para mim, contudo, o aprendizado possibilitado por aquele retiro começou antes mesmo dele se iniciar oficialmente, dentro de um avião. Sou residente na Bahia, entre as cidades de Jequié – no sudoeste do estado, onde trabalho – e Salvador, minha cidade de origem e de onde tomei o voo para João Pessoa. Ainda na aeronave, na escala em Brasília, recebi uma mensagem do monge coordenador da Sangha de João Pessoa informando que, já que eu me hospedaria no espaço da comunidade no dia anterior ao início do retiro, ele me daria carona uma vez que estaria no aeroporto no mesmo horário de chegada do meu voo para buscar dois importantes mestres da Soto Zen na América do Sul e que participariam do retiro em seus momentos iniciais. Junto com essa oferta, recebi também a informação de que deveria seguir à risca uma etiqueta muito específica ao encontrar-me com os Mestres. Imediatamente, fiquei apavorado e tive medo de cometer gafes imperdoáveis. Quando finalmente me encontrei com eles, percebi que não deveria fazer mais do que respeitá-los e tratá-los com a devida reverência, sem temê-los, afinal, eram homens simples e muito simpáticos. Se abraçarmos a simplicidade e o cuidado com o outro, e retirarmos o foco da atenção de nós mesmos, não haverá erro. Essa foi a minha primeira lição.
Na noite seguinte, teve início, finalmente, o retiro propriamente dito, e devo confessar que sofri ali um forte choque inicial: a grande quantidade de regras de conduta, os modos de se alimentar, a necessidade do silêncio e a ritualística zen-budista me assustaram verdadeiramente. Ao fim daquela primeira noite, de fato, eu me perguntei: o que estou fazendo aqui? No dia seguinte, por volta das 05h da manhã, retomamos as práticas que durariam o dia inteiro: sessões de zazen e kinhin, refeições formais, ateliês de zazen e oryoki, e samu. Assim passou-se aquele dia (um sábado) e a intensidade da prática era tamanha que a mim parecia terem se passado vários dias. Não era raro eu me perguntar, em alguns momentos, que dia era aquele ou há quantos dias eu tinha encontrado os Mestres japoneses e quando eles tinham ido embora. Na noite daquele sábado, durante o qual eu tinha experimentado claramente que a percepção de tempo é uma experiência mutável, sobretudo quando treinamos nossa atenção para permanecer o máximo possível no presente, eu me imaginava retornando para casa e respondendo aos amigos quando eles me perguntassem: “Como foi o retiro? Gostou?”, e eu responderia: “Não! Mas eu já estava lá, então não importava…”. Essa foi minha segunda lição: estar sempre aqui, agora, tentando não julgar, não discriminar nem classificar as experiências, quando isso for inútil ou desnecessário. Levar a mente do zazen para todos os momentos.
Por fim, no terceiro e último dia, ao término do nobre silêncio e no momento de finalização formal do sesshin, uma estranha mudança tinha se operado em mim, não sei dizer exatamente quando, e eu já não desejava ir embora. Apesar de me sentir fisicamente esgotado, profundamente cansado, eu experimentava naquele momento uma serenidade de espírito genuína que eu talvez nunca tivesse experimentado. Tudo parecia lindo, não havia impaciência ou indisposição. Era somente paz. Após três dias de prática, de silêncio e integração com a sangha, minhas dúvidas e queixas e dores ainda estavam lá, mas pareciam não me afetar mais. Durante alguns dias, desfrutei dos efeitos deste sesshin, porém, o retorno à vida cotidiana trouxe de volta também as inquietações, e o retiro permaneceu como uma bela lembrança. Mas permaneceu também como uma experiência profunda de um pequeno vislumbre da paz que podemos alcançar quando aprofundamos a nossa prática e como uma lição de que ela (a prática) deve se estender para todos os instantes de nosso dia a dia.
O Sesshin, portanto, foi um momento de grande aprendizado; uma oportunidade de perceber, diretamente, que o Caminho pode ser percorrido e que a felicidade está ali, ao longo da estrada, acessível, bastando estender a mão e seguir adiante. Ali eu entendi igualmente o imenso compromisso que é necessário assumir quando são feitos os votos (enquanto praticante leigo e, sobretudo, como Monge) em relação à comunidade. A dedicação ao Dharma e à Sangha exige desprendimento e uma grande responsabilidade, acompanhada de muito trabalho, porque, a partir daquele momento, o mais importante está além de você mesmo. Esta foi a maior lição aprendida naquele retiro.
Depoimento de Uendel De Oliveira. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.