Em “O Futuro de uma Ilusão”, publicado em 1927, Sigmund Freud aborda suas críticas à religião. Freud vê as crenças religiosas como ilusões derivadas dos desejos e temores humanos, considerando a religião uma neurose obsessiva coletiva originada da necessidade infantil de proteção, transferida para um Deus todo-poderoso. Ele argumenta que os ritos e a moral religiosa servem para controlar o acaso e lidar com a fragilidade humana, além de atuarem como ferramentas de coerção social, inibindo os instintos naturais em prol de um ideal de virtude e impondo noções de certo e errado que geram culpa inconsciente.
Embora reconheça o potencial consolador da fé, Freud questiona se a ciência e a razão poderiam substituir a religião em seu papel psicológico. Ele acredita que no futuro a humanidade poderia superar a religião ao conquistar mais controle racional sobre a natureza e sobre si mesma. A amizade de Freud com Oskar Pfister, um pastor protestante, exemplifica o respeito mútuo entre diferentes perspectivas. Pfister respondeu às ideias de Freud com “A Ilusão de um Futuro,” uma crítica bem recebida pelo psicanalista.
Freud argumenta que a escolha de seguir uma religião se dá através do Complexo de Édipo, onde a figura de Deus representa o pai protetor em resposta ao desamparo humano diante da morte e das forças naturais. A religião promete recompensas após a morte e proteção divina ao longo da vida. Para Freud, a cultura é essencial para a sobrevivência humana, pois regula relacionamentos e doma a natureza. No entanto, a humanidade se torna refém da cultura, que controla os instintos e molda comportamentos socialmente aceitos. A religião, nesse contexto, funciona como uma consciência moral que retrata as falhas da cultura.
Freud conclui que, apesar de a religião eliminar algumas neuroses, ela poderia desenvolver outras mais difíceis de resolver. Ele vê a religião como uma ilusão bem projetada que faz afirmações dogmáticas sobre a realidade, depositando crença em algo não comprovado.
Jacques Lacan, psicanalista francês, também comentou sobre a obra de Freud, embora não tenha escrito um comentário específico sobre “O Futuro de uma Ilusão”. Lacan interpretou a visão de Freud sobre a religião como uma ilusão através de sua própria teoria dos três registros: o Real, o Simbólico e o Imaginário. Ele via a religião como parte do registro simbólico, oferecendo uma estrutura que dá sentido ao mundo e organiza a experiência humana. Lacan expandiu a ideia de Freud sobre a figura do pai, introduzindo o conceito do “Nome-do-Pai” (Nom-du-Père), que se refere à função paterna como um ponto de ancoragem fundamental no simbólico, essencial para a estruturação do sujeito e para a lei e a ordem simbólica. Ele concorda que a religião é uma ilusão, mas enfatiza que todas as construções simbólicas, incluindo a ciência e a racionalidade, são formas de lidar com o Real, que é irredutível e impossível de ser completamente simbolizado.
Outros psicanalistas, como Melanie Klein e Wilfred Bion, também ofereceram perspectivas relevantes. Klein destacou a importância das fantasias inconscientes na formação da psique, o que se relaciona com a ideia de ilusões religiosas como projeções de desejos e medos inconscientes. Bion, por sua vez, investigou como o pensamento e a experiência emocional se estruturam, sugerindo que as crenças religiosas podem servir como contêineres para ansiedades primitivas. Bion argumenta que a religião pode funcionar como um “elemento beta”, ajudando os indivíduos a dar sentido às experiências emocionais cruas e não processadas.
O Zen Budismo, por sua vez, enfatiza a experiência direta e intuitiva da realidade através da meditação (Zazen) e da vivência no momento presente. Para o Zen, a verdadeira ilusão não reside apenas na religião, mas em todas as formas de percepção dualista que criam uma distinção entre o “eu” e o mundo. A prática zen busca transcender essas ilusões através da prática contemplativa e da experiência direta da realidade. Freud define a religião como uma ilusão, ou seja, uma crença derivada dos desejos humanos que não tem fundamento na realidade objetiva. No entanto, do ponto de vista zen, a ilusão (maya) é uma característica inerente a todas as percepções baseadas no ego e na dualidade. O Zen ensina que a mente cria divisões e apegos que obscurecem a verdadeira natureza da realidade.
Freud argumenta que a religião apazigua as ansiedades humanas, oferecendo uma sensação de segurança frente às incertezas da vida e da morte. O Zen Budismo, por outro lado, não busca apaziguar as ansiedades com respostas prontas ou sistemas de crenças, mas sim cultivar uma aceitação plena e consciente da realidade presente, incluindo suas incertezas e impermanências. A prática zen incentiva o enfrentamento direto das ansiedades existenciais através da meditação e da realização da verdadeira natureza da mente e da realidade.
Freud vê a superação da religião como um passo necessário para a maturidade racional e científica.
Ele acredita que a humanidade deve abandonar as ilusões religiosas em favor de uma visão científica do mundo. No entanto, a perspectiva zen argumenta que a verdadeira maturidade não reside apenas na razão científica, mas na transformação profunda da consciência através do despertar (satori). O Zen não rejeita a ciência, mas reconhece que a ciência também é uma construção mental que deve ser equilibrada com a experiência direta e intuitiva da realidade.
Esse texto encontra respaldo em alguns desenvolvimentos teóricos e científicos. Por exemplo, Carl Jung, diferentemente de Freud, valorizava as experiências espirituais e místicas, considerando-as essenciais para o desenvolvimento psicológico. Erich Fromm, em “Psicanálise e Religião”, sugere que a religião pode ter um papel positivo quando promove a autorrealização e a saúde mental. Pesquisas neurocientíficas indicam que a meditação pode alterar estruturas cerebrais e melhorar a regulação emocional, reduzindo a ansiedade e o estresse. Estudos mostram que a meditação aumenta a conectividade neural em áreas associadas à atenção e à autorregulação, evidenciando uma transformação positiva e mensurável na mente dos praticantes. Filósofos existencialistas como Heidegger e Sartre exploram a questão da autenticidade e da aceitação do ser diante da morte e da angústia existencial. O Zen Budismo, similarmente, propõe a aceitação plena da impermanência e da ausência de um “eu” fixo como caminho para a libertação e a autenticidade. Portanto, a crítica zen budista ao texto de Freud “O Futuro de uma Ilusão” revela uma abordagem alternativa e mais profunda à compreensão da espiritualidade e da natureza da ilusão.
Enquanto Freud vê a religião como uma ilusão que deve ser superada pela razão científica, o Zen Budismo argumenta que todas as formas de apego e dualidade são ilusões a serem transcendidas através da prática meditativa e da realização direta da realidade.
Texto de Fernando Aishi, DaissenJi, Soto Zen
Referências:
Freud, S. (1927). O Futuro de uma Ilusão. Companhia das Letras.
Jung, C. G. (1938). Psicologia e Religião. Vozes.
Fromm, E. (1950). Psicanálise e Religião. Zahar.
Lutz, A., Dunne, J. D., & Davidson, R. J. (2007). Meditação e a neurociência da consciência: Uma introdução. In The Cambridge Handbook of Consciousness (pp. 499-551). Cambridge University Press.
Lacan, J. (1997). O Seminário, Livro 7: A Ética da Psicanálise. Jorge Zahar Editor.
Klein, M. (1991). O Mundo Adulto e Suas Raízes na Infância. Imago.
Bion, W. R. (1970). Aprendendo com a Experiência. Imago.