Não existe sonho ou estado desperto, ao mesmo tempo que tudo é um sonho em constante estado de despertar.
Quando um eu é pensado, uma bolha com toda a sua história pessoal surge, interconectada com infinitas outras bolhas coemergentes que, como vagalumes, piscam e desaparecem sob o leve pouso da atenção.
Uma flor pode ser vista por suas características determinadas pela mente: cor, textura, aroma. Mas a mesma flor pode ser reconhecida como parte do movimento da natureza universal que perpassa todos os grãos de terra, todos os grãos de estrelas e corpos celestes dos quais a Terra é apenas mais um.
Os pensamentos e ideias sobre a realidade criam a aparência de uma sobreposição a ela, bolhas que brilham tanto que nos cegam temporariamente. Mas o real apenas é, além de qualquer cogitação ou nome que possa ser dado, modificado ou esquecido.
A flor que murcha, cujas pétalas caem no chão, é reabsorvida por si mesma no grande ciclo da existência. Nunca houve “flor”, exceto na mente que a nomeou e definiu bordas imaginárias que a separam do todo único que pulsa em si mesmo. Assim como não existe “eu”, exceto na mente que o nomeou e definiu, igualmente, bordas imaginárias que parecem separar muito claramente o que é o ser do não ser.
Mas estamos aqui, dentro da respiração. Respiramos com os planetas e as flores, além de nomes e bordas, por mais que muitas vezes nos confundamos no sonho onde esses nomes traçam seus caminhos espiralados de construção e desconstrução.
Aonde começa e termina o nariz, o perfume e a flor? Não seja a mente definindo e dizendo ver o que os separa e classifica, há apenas natureza sendo, além do que quaisquer palavras possam descrever ou se aproximar.
Os mil eus que surgem e desaparecem no tempo, são apenas histórias narradas no pensamento, expressões temporárias da natureza absoluta e indivisível que floresce e evanesce além do florescer e evanescer.
Sejamos flores, planetas e eus, conscientes de que jamais seremos flores, planetas e eus.
Por Clarisse Gudniak, DaissenJi, escola Soto Zen