Nenhum Buda

 

Quando você ouve, não ouve a partir de você. Se você ouvir a partir de você, ouvirá a si mesmo, portanto, não irá ouvir. Quando você ouve, não é você quem ouve. Quando você ouve a partir de você, há um obstáculo entre você e você, e esse obstáculo é aquele que está ouvindo.

Às vezes, você rejeita, às vezes aceita. Você faz uma curadoria para si mesmo sobre como ouve e o que ouvir. Tudo para manter a integridade dos seus pensamentos sobre si mesmo e sobre o mundo. Entretanto, você pode experimentar ouvir através de outro ser, outra pessoa, um animal, uma planta, uma pedra. São possibilidades de não-você. Mas você pode ser mais simples, você ou outro ser é sempre um ponto específico, sendo mais simples e mais direto, você apenas não escolhe. Saikawa Roshi diz “o ouvir ouve”. Veja, nada, ouvindo.

Ao sentar-se, músculos, ossos, carnes e órgãos estão soltos e caem, naturalmente, em direção ao solo, nada deve ser feito para retê-los. Isso é deixar todo o corpo sem nenhuma tensão, nenhuma rejeição, nenhuma resistência, nenhuma reação. A mente cai até o baixo ventre, um pouco abaixo do umbigo. O centro não é a cabeça, portanto, sua atenção vai para esse ponto da barriga. Um ponto equidistante entre o umbigo e o órgão sexual, hara, em japonês. Assim você faz contato com o corpo do planeta. Com a cabeça você pode imaginar apenas, aqui você começa a abrir o olho supremo e vê sem limites (a verdade).

Há um homem na África do Sul que, mergulhando no mar, acabou se aproximando de um polvo e, aproximando-se com tanta disciplina e sensibilidade, chegou à seguinte conclusão, “nós somos daqui”. Somos daqui porque só existimos aqui, somos feitos de aqui, desta geografia, da mesma matéria, deste instante do planeta. Não somos visitantes, não viemos de um outro lugar, não estamos aqui por uma vida apenas. Há mais de dois milênios Sidarta Gautama, ao encontrar um estado insuperável de iluminação, declarou algo no mesmo sentido, “eu, todos os seres e toda a terra, simultaneamente iluminados, apenas um corpo”.

Ao sentar-se, a coluna vertebral se mantém erguida em direção ao céu, ao espaço e em todas as direções. Sua consciência se expande, perde-se no ilimitado, e você finalmente encontra a sua natureza original, muito além da forma do seu corpo, das ideias que dele surgem, muito além da consciência que parece querer cristalizar-se.

Aquilo que realmente ouve é aquilo que não se fixa pois está se expandindo agora. Esse é o ouvir de buda, nenhum ponto específico, nenhum buda. Nenhuma ação, nenhuma reação.

Se o ouvir é feito de comparações, de julgamentos e de estimativas sobre o futuro, sobre o que foi e está na memória, sobre o que poderia ser, então você está olhando para si mesmo em um espelho, recompondo uma imagem ilusória de si, mais uma vez. Porque esse si mesmo não tem lugar na realidade, precisa ser reconstruído, incessantemente. Mas se você desiste definitivamente de tudo isso, então você encontra a resposta.

O homem que ouve os polvos, ouve a Terra através desse ser inteiramente autêntico de oito braços. Simultaneamente a Terra ouve a consciência cósmica e finalmente o silêncio é silêncio, porque só ouve.

 

Atualmente, todos os anos, todas as sanghas zen budistas do mundo relembram, sentando-se em meditação durante uma semana, entre os dias 1º e 8 de dezembro, a iluminação de Sidarta Gautama, Buda Shakyamuni o mestre primordial. Aqui relembrar tem o mesmo sentido de ouvir.

 

Texto de Monge Seigen Sensei. Sangha Kyozen. Escola Soto Zen.

 

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