Será fácil enxergar o contexto envolvendo os versos de Shenshiu e Wolun Zenji a partir da estrutura e do modo de pensar que é enfatizado na meditação Zen (Zazen) chamado “as quatro meditações” dos primeiros dias do Budismo. As atividades mentais (pensar), como pensamentos e cogitação, eram tratadas negativamente no Budismo inicial, de forma que o objetivo (na meditação) era parar ou extinguir o pensar.
Incidentalmente, nos dias primeiros do Zen, também havia elementos como “alegria e conforto que surgiam de uma distância”. Entretanto, a medida que o nível de samadhi Zen crescia, essa alegria e conforto emocionais desapareciam. A prática da forma budista sulista da meditação vipassana, que agora tem sido estabelecida no Japão, também é feita dentro desta estrutura.
No entando, falando de nós praticantes Zen, nós permanecemos na corrente do Sexto Ancestral Huineng que insistia em uma posição completamente diferente daquela dos versos de Shenshiu e Wolun. Bem como daquela de Dogen Zenji que repetidamente enfatizava: “Zazen não é (aprender) a prática de meditação”. Eu penso que isso é algo de que nós deveríamos estar bem cientes.
Contra o contexto destas questões, nós devemos investigar as palavras dos ensinamentos de Dogen Zenji como “Zazen é o portal Dharma da simplicidade alegre” e “Poderia não haver ‘pensar’ em ‘sentar’ fixamente”? (Alternativamente, há “não-pensar” no sentar firme?).
Nós também devemos estar cientes dos ensinamentos nas Instruções para o Zazen Universalmente Recomendadas (Fukazazengi) e o significado de tais palavras como o “não pense” do “não pense “bom” ou “mau” ”, ou “não julgue” de “não julgue verdadeiro ou falso”, o “desistir” em “desistir das operações mentais, do intelecto, e consciência” e o “pare” em “pare de mensurar com pensamentos, ideias e pontos de vista”. Nós não devemos compreender o contexto desses ensinamentos simplesmente para significar “a eliminação ou parada dos pensamentos”.
Vamos em primeiro lugar compreender firmemente que o Zazen não é uma prática de usar a respiração, sensações, e assim por diante como um método usado de forma a gradualmente estreitar nossos pensamentos, e finalmente eliminá-los e fazê-los parar. Isso não é para dizer que o Zazen pode ser chamado de um estado onde a mente está deprimida e afunda, ou onde a mente está flutuando e inquieta.
Posto de forma simples, Zazen também não é uma condição de ser controlado por “dormir nem por pensar” (embotamento ou distração). Adormecer é adormecer e não é Zazen. Pensar é pensar e isto também não é Zazen. Zazen é não cair em nenhum dos dois impasses de embotamento ou distração. Zazen deve ser sempre o “Caminho do Meio” que se desenvolve de forma fresca e dinâmica. Não há escolha, exceto aprender precisamente através da prática de “fazer um esforço concentrado para examinar isso em detalhe” (uma das expressões frequentemente utilizadas de Dogen Zenji da qual sou fã). E ainda assim, a coisa triste é que se nós pessoas comuns deixarmos as coisas como elas estão, nós certamente cairemos ora em embotamento ou distração.
Isso pode ser compreendido pelo fato de que no Abidharma-kosa (Kusharon) estes dois aspectos são trazidos como parte do Daibonno (klesamahabumika): a Grande Lei do Klesa, chamada de “grande” porque os desejos mundanos (como ganância, raiva e ignorância) sempre nos acompanham e a doutrina somente-consciência – que é baseada no mesmo pensamento daquilo que afeta adversamente a mente (upaklesa) – trazem estes dois aspectos de embotamento e distração que são chamados de “as grande ilusões ou contaminações”. Se as pessoas comuns fizerem Zazen como lhes é instruído, mas não compreenderem nenhum dos princípios, ou se eles não fizerem esforço concentrado, então inevitavelmente o Zazen vai seguir o caminho de mudança para o embotamento ou a distração. Então, como nós devemos realmente fazer Zazen?
Rev. Rijin Yasuda (1900-1982), um líder na Jodo Shinshu (a seita Verdadeira Terra Pura do Budismo) expressava acuradamente este tópico da seguinte maneira:
“Tornar-se um Buddha é feito de desfazer sonhos, não importa o quanto nós tentemos e lutemos em nossos sonhos. Não importa quanta sabedoria nós acumulemos, isto não é o satori (iluminação). Não importa o quanto possamos polir nossas ilusões, nós apenas acabamos refinando nossas ilusões. Mas só porque você diz que não é bom fazer esforço, ninguém pode garantir que se você esperar sem fazer esforço, a sabedoria do Buddha vai aparecer. Mais ainda, essa é uma questão que nós precisamos superar. O método de como realmente fazer isso é importante.” (Rijin Yasuda, A Collection of Lectures Vol. I “A Call and Awakening to the One Name”, Daihorinkaku ).
“Qual é o método pelo qual fazemos isso?” Nos encontramos com esse problema. Foi exatamente com esse mesmo problema que Buddha Shakyamuni também se deparou. Sentado sob a árvore, seria possível para ele quebrar este impasse? Esse foi “o método supremo, sublime de não-fazer” de “sentar-se ereto” e “estudar o Zen” que foi transmitido fora dos ensinamentos. De forma breve, isso era o Zazen.
A seguir, ao invés de parar pensamentos e ideias que eram perturbadores para nós, nós devemos fazer esse método completamente, de forma que possamos retornar a origem do pensamento. Da perspectiva de mudar a direção do pensamento (“virando a luz e brilhando-a internamente”), por meio desse ensinamento, eu gostaria de discutir um pouco mais do assunto do pensar no Zazen.
Encontrando seus pensamentos enquanto relaxa
No cânone páli, há um sutra chamado Sutra Vitakkansathana. Neste sutra, o Buddha Shakyamuni ensina gentil e cuidadosamente sobre o método de como lidar com os pensamentos ruins e insalubres que surgem durante a meditação. O contexto deste ensinamento é muito interessante para aqueles de nós que estamos considerando a questão do “pensamento” durante o Zazen. Eu gostaria de citar o texto inteiro. No entanto, como ele é bastante longo, eu destacarei somente os pontos principais:
- Quando um monge está mantendo sua atenção em um certo objeto ou tema, há vezes em que pensamentos ruins e insalubres, ligados à ganância, raiva e ilusão surgem. Ele deve então focar em um outro tema que traga pensamentos saudáveis. E, então, a ganância, a raiva e ilusão que haviam aparecido desaparecerão. E assim os pensamentos insalubres cederão.
- Se ocorrer de que após um monge ter trazido sua atenção a um tema que traga pensamentos saudáveis, e apesar de ele estar prestando atenção a isso, pensamentos conectados à ganância, raiva e ilusão continuarem a surgir, então este monge deve prestar atenção detalhadamente nas deficiências e inconveniências daqueles pensamentos. “Realmente, estes pensamentos são ruins. Meus pensamentos são vergonhosos. Estes pensamentos resultam em sofrimento”. Se o monge olhar em detalhe para as desvantagens destes pensamentos, então os pensamentos ruins conectados à ganância, raiva e ilusão serão abandonados e finalmente desaparecerão.
- No caso em que mesmo se o monge olhar com detalhe as deficiências e inconveniências daqueles pensamentos, e os pensamentos conectados com a ganância, raiva e ilusão continuarem a surgir, ele deve ignorar e esquecer aqueles pensamentos. Sem estar preocupado sobre aqueles pensamentos e sem tentar prestar atenção a um determinado tema, o monge perceberá que estes pensamentos ruins, insalubres, irão sumir e desaparecer.
- Se acontecer que mesmo ignorando e esquecendo os maus pensamentos conectados à ganância, raiva e ilusão, o monge ainda perceber que tais pensamentos ruins, insalubres, continuam a surgir, ele deve prestar atenção ao posicionamento da formação-do-pensamento daqueles pensamentos. Quando ele presta atenção ao posicionamento da formação-do-pensamento daqueles pensamentos, então quaisquer pensamentos ruins, insalubres, conectados à ganância, raiva e ilusão serão abandonados e desaparecerão.
- Se então enquanto prestando atenção ao posicionamento da formação-do-pensamento dos pensamentos, aquele tipo de pensamento insalubre continuar a surgir, então nesse momento, o monge deve cerrar seus dentes, pressionar a língua contra o céu da boca, restringir, derrotar e pulverizar aquela mente. Ao cerrar seus dentes, pressionar a língua contra o céu da boca, restringir, derrotar e pulverizar aquela mente com a mente, os pensamentos ruins, insalubres, serão abandonados e desaparecerão.
Agora quando um monge muda o tema sobre o qual ele está prestando atenção, e ele olhou detalhadamente as deficiências dos pensamentos insalubres, e ele ignora e esquece aqueles pensamentos insalubres, e ele posicionou a formação-do-pensamento daqueles pensamentos, e ele cerrou os dentes, pressionou a língua contra o céu da boca, e ele derrotou, restringiu e pulverizou a mente com a mente, então sua mente está estabilizada, quieta, unificada e concentrada. Esse monge é então chamado “um mestre do caminho dos pensamentos”.
Então um monge como esse pensará o que ele quiser pensar e não pensará o que ele não quiser pensar. Um monge como esse terá transcendido o desejo, terá sido liberado dos apegos, terá visto corretamente através do orgulho da consciência egóica, e terá trazido um fim ao sofrimento e à angústia. Isto é o que o Buddha disse. Os monges ficaram satisfeitos e felizes com as palavras do Buddha.
Texto de autoria do Rev. Issho Fujita extraído de DHARMA EYE, News on Soto Zen Buddhism: Teachings and Practice, Número 48, Setembro de 2021, páginas 43-46, disponível online em https://www.sotozen.com/eng/dharma/pdf/48e.pdf
Tradução Marcus Vinícius Oliveira da Costa. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.