Olá, queridos leitores! Nesta edição, trazemos um tema um pouco diferente, mas que se mostra cada vez mais relevante. Embora não se trate diretamente de Budismo, entendemos que dialoga bem com nossa coluna sobre meditação. A nossa ideia é trazer uma visão geral sobre a crescente busca por práticas de meditação no ambiente corporativo como forma de melhoria na qualidade de vida de trabalhadores.
Não é novidade que boa parte do tempo da maioria das pessoas é consumida por horas de trabalho. Antigamente, isso era ainda pior, quando os direitos trabalhistas eram ainda mais frágeis e não havia legislações que estabelecessem o tempo mínimo de jornada laboral. Mesmo com as melhorias, adquiridas pelas lutas de movimentos trabalhistas, o ser humano ainda passa boa parte de sua vida no trabalho. Isso gera muitas consequências e tem sido cada vez mais alvo de debates e ações no mundo corporativo.
Passamos por um momento em que o capitalismo vem se transformando e as mudanças socioambientais vêm pedindo novas formas de viver no e com o mundo. Além das questões sociais e ambientais, os órgãos e empresas nacionais e internacionais falam cada vez mais da importância da qualidade de vida dos trabalhadores no ambiente de trabalho.
Dentre os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU, temos o ODS de número 3, nomeado Saúde e Bem-estar que visa assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. Esse ODS está muito ligado ao acesso à saúde para todos, mas também abre lugar para pensarmos bem-estar de forma mais ampla, entendendo a saúde de forma integral: física, psíquica e emocional.
Nas últimas décadas, já era cada vez mais comum encontrar pessoas com níveis altos de estresse, ansiedade, depressão, pânico, dentre outros problemas psicossociais relacionados com as exigências de produtividade e condições de trabalho. Com a pandemia do Covid-19, essa realidade se agravou ainda mais. Tiveram pessoas que perderam seus trabalhos ou se viram em situações de vulnerabilidade, dada suas condições não formais de trabalho; trabalhadoras e trabalhadores que passaram para a realidade do trabalho remoto (home office) e encontraram muitos desafios, como adaptar estrutura e rotina do escritório para casa, trabalhar com os filhos em casa e aprender a separar o que era horário e local de trabalho do que era momento e lugar de lazer, descanso e tempo com pessoas queridas.
Foi a partir da pandemia, em janeiro de 2022, que a Organização Mundial do Trabalho (OMS) reconheceu a Síndrome de Burnout – distúrbio emocional resultante de uma rotina de trabalho desgastante, e que vem se tornando cada vez mais comum no ambiente corporativo – na lista de doenças ocupacionais. Isso quer dizer que o que antes era visto como um problema psiquiátrico e responsabilidade do trabalhador, passou a ser encarado como uma doença relacionada ao trabalho e, portanto, responsabilidade das empresas.
O Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3) da B3 – a bolsa de valores oficial do Brasil – tem como objetivo ser o indicador do desempenho médio das cotações dos ativos de empresas selecionadas pelo seu reconhecido comprometimento com a sustentabilidade empresarial. O interessante é observar que o índice entende sustentabilidade também de forma bastante integral, o que quer dizer que leva em conta aspectos diversos para sua avaliação. Além de questões ambientais, de governança, ações e comprometimentos sociais das empresas, o ISE B3 tem uma dimensão dedicada ao Capital Humano, na qual trata de questões sobre práticas trabalhistas, saúde e segurança no trabalho e engajamento, diversidade e inclusão. Dentro das práticas trabalhistas, há uma preocupação com condições, formato de trabalho e, especificamente, com a qualidade de vida dos colaboradores e o equilíbrio entre tempo de trabalho e de descanso.
Diante das exigências do próprio mercado, das mudanças socioambientais e das consequências da pandemia, empresas de diversos portes têm se ocupado cada vez mais de práticas e políticas que garantam maior bem-estar e qualidade de vida para seus colaboradores. É nesse âmbito que diversos tipos de meditação têm ganhado espaço dentro do mundo corporativo. Tem sido cada vez mais comum que as empresas ofereçam práticas laborais de yoga, momentos de meditação no espaço de trabalho e acesso a plataformas como o Zenklub, um aplicativo de celular que possibilita que cada pessoa passe a monitorar seus sentimentos dia a dia, desenvolvendo uma prática de autoconhecimento. A plataforma oferece ainda gráficos semanais do humor da pessoa, identificando os motivos para cada humor, dicas de leituras e práticas meditativas para ajudar nos problemas que a pessoa está enfrentando, acesso a sessões com terapeutas e o Índice de Bem-estar Corporativo (IBC) que fornece à empresa um panorama de como anda a saúde psíquica de seus colaboradores.
O interessante nessa história toda é que, pouco a pouco, empresas e pessoas vão se dando conta da importância de práticas de autoconhecimento, de mergulho dentro de si e de conhecer sua mente e sentimentos. O mundo corporativo também vai percebendo os ganhos materiais que pode ter com colaboradores mais saudáveis e felizes.
É nesse sentido que a meditação já é tendência em várias empresas. Muitas organizações estão adotando técnicas similares como uma maneira de melhorar o ambiente de trabalho, oferecer momentos e ferramentas de bem-estar aos seus funcionários e, consequentemente, colher resultados, inclusive com produtividade, melhores.
A competitividade, tão comum nas empresas, pode trazer distúrbios como a síndrome de burnout, além de conflitos internos e estresse entre os colaboradores da organização. Experiências conduzidas no ambiente corporativo mostraram que a meditação pode ser um instrumento de desenvolvimento da criatividade. Pesquisas nessa área têm demonstrado a geração de comportamento criativo e do despertar de novas ideias, além de melhorias na qualidade de vida dos colaboradores, que aprimoram as relações. Esses resultados têm despertado muito o interesse das empresas.
Entre os diversos efeitos positivos trazidos pela meditação, destacam-se a saúde mental no trabalho e as melhorias produzidas na ambiência laboral. A consequência que se nota é uma mudança no comportamento dos profissionais e na sua capacidade de resposta, gerando um incremento na produtividade da empresa.
Pesquisas mostram que operamos em uma espécie de piloto automático quase 50% do tempo, ou seja, durante metade de nossas vidas não colocamos atenção naquilo que estamos fazendo ou vivenciando. Quando a mente vagueia, abrimos as portas para o estresse, a ansiedade e a depressão, além de correr mais riscos de sofrer acidentes e perder produtividade.
É por isso que um número crescente de executivos e companhias estão usando uma técnica para evitar situações como as descritas acima: o mindfulness, que poderia ser descrito como um estado mental de consciência e atenção plena, no momento presente e no que está acontecendo. Uma atenção à experiência presente, mas sem julgá-la, criticá-la ou reagir a ela. Pode-se dizer que o mindfulness é uma técnica que usa exercícios de meditação e de tradição asiática adaptados para o ocidente. Ficar quieto e prestar atenção em você mesmo e ao seu mundo interno é uma das principais regras das escrituras sagradas indianas e das tradições milenares chinesas, que pregam o olhar para dentro e o foco no presente, abandonando o passado e não criando expectativas em relação ao futuro.
Ao praticar o mindfulness, o indivíduo experimenta um estado de concentração em si mesmo e nas experiências, atividades e sensações do presente, sem pensar no passado ou no futuro. É a chamada “atenção plena” ou “consciência plena”.
Entre os adeptos estão grandes empresas como a rede social LinkedIn, o Twitter, o Facebook, o Google, a Apple, a empresa de tecnologia Intel e incontáveis startups do Vale do Silício. A prática chegou também a companhias como a gestora de fundos BlackRock, o banco Goldman Sachs, a varejista Target e a empresa de alimentos General Mills. O Google gosta tanto da técnica que criou um programa todo destinado a ela, o Search Inside Yourself (busque dentro de você mesmo, em inglês). Inspirada na sede norte-americana, a filial da empresa em São Paulo também tem grupos de mindfulness e funcionários se isolam em uma sala antes do almoço para passar 20 minutos tentando tranquilizar a mente e aumentar o foco.
A técnica se popularizou nas grandes empresas como um meio de aliviar o estresse, melhorar a concentração, a atenção e a capacidade mental e, é claro, a produtividade. Entre as melhorias na qualidade de vida das e dos praticantes estão o aumento da criatividade, da memória e da rapidez em obter respostas para problemas complexos.
De acordo com uma publicação do Washington Post, Sara Lazar, neurocientista do Massachusetts General Hospital e da Harvard Medical School, foi uma das primeiras cientistas a testar em exames cerebrais os benefícios da meditação e da atenção plena. E ela descobriu que meditar pode, literalmente, mudar nossos cérebros.
De acordo com Daniel Goleman, jornalista científico do The New York Times:
“A pessoa que medita regularmente lida com o estresse de modo a romper a espiral da reação de enfrentamento ou fuga. Ela relaxa com muito mais frequência do que a que não medita, após um desafio ter sido superado. Isso faz com que seja improvável que ela encare como nocivas ocorrências inocentes. Ela percebe a ameaça com mais exatidão e reage com a mobilização somente quando necessário. Após a mobilização, a recuperação rápida a torna menos predisposta a encarar o próximo compromisso como uma ameaça, como acontece com uma pessoa ansiosa.”
Dentro das diversas escolas budistas, há controvérsias sobre o mindfulness e o uso das técnicas de meditação para ganhos pessoais ou corporativos. Se pensamos na ideia de shikantaza de Dogen Zenji, ou seja, apenas sentar-se sem tentar obter nada, essas práticas meditativas no mundo laboral estão muito distantes das meditações budistas. Mas é impossível negar que a meditação no mundo do trabalho tem trazido benefícios, mudado pouco a pouco a mentalidade ocidental e nos deixa muito o que pensar.
Texto de Fusô san e Mushin san. Praticantes na Daissen Ji. Escola Soto Zen.
Referências:
https://exame.com/carreira/nova-tecnica-de-meditacao-aumenta-a-produtividade-no-trabalho/
Mindfulness: o que é e porque as empresas estão aderindo a essa técnica
https://blog.calldaniel.com.br/meditacao-nas-empresas-conheca-9-grandes-empresas-que-tem-essa-pratica/
https://www.eusemfronteiras.com.br/um-estudo-sobre-a-meditacao-e-o-ambiente-corporativo/
http://iseb3.com.br/questionario-ise-b3-2021
https://brasil.un.org/pt-br/sdgs