Fracasse Sempre e Serás Feliz

 

Ter sucesso, ter sucesso, ter sucesso… Ser o melhor, ser líder, ser ousado, ser o primeiro, ser o mais rápido, ser o mais destemido…. Será que o mundo tem lugar para tanta gente perfeita assim?

Ter o melhor emprego, ser o empregado do mês, ser a melhor mãe do mundo, ser o pai mais realizado, ser magra sempre, ser sarado como um adolescente, estar na frente do pelotão, subir a mais alta montanha, inventar a mais lucrativa empresa do mundo… Será que vivemos somente de sucessos?

Outro dia olhei para trás e vi que as pessoas que me inspiram não foram as que tiveram sucesso, mas as que fracassaram terrivelmente durante suas vidas, no entanto, esses fracassos as levaram a insights fortíssimos e definitivos. Ao invés de bobões que se julgavam muito bons e superiores e terminaram caindo do próprio palanque ou tendo uma vida tão triste e miserável que jamais poderia querer ser igual.

Ainda vejo cursos, programas, grupos que enaltecem o sucesso como se todos nós o tocássemos com o esticar dos dedos. Assim, eu penso quantos Steve Jobs têm lugar no mundo (ainda que ache o falecido um pernóstico e excêntrico, concordo que tem uma legião de fãs que gostariam de ser como ele. Eu não!), quantos Winston Churchill (viram o filme? Incrível, né?) ou Alexandre, o Grande, nascerão no mundo?  Acho que poucos ou mesmo mais nenhum.

Mas quantos fracassados existem? Quantas pessoas que tentam todos os dias serem quem não são existem e se consomem em lágrimas por se acharem insignificantes na sociedade na qual vivemos?

Deixem-me contar a história de um personagem do século 13. Seu nome era Shinran, um filho de aristocratas japoneses do poderoso clã Fujiwara perdeu seus pais muito cedo e fora criado por seu tio. Quando tinha 9 anos de idade pediu ao seu pai adotivo que o levasse a um templo em Kyoto pois queria se ordenar monge budista. Para lá foram naquele mesmo dia e Shinran foi recebido pelo abade.  Era um templo austero e os monges muito disciplinados. Shinran queria saber como ele poderia se iluminar e seu mestre o instruiu a passar 3 anos dando voltas em uma estátua do Buda que havia a frente do templo, recitando seu nome.

Depois desses 3 anos, o monge Shinran volta a falar com seu mestre dizendo que ele se sentia o mesmo, com as mesmas paixões, com os mesmos desejos. Assim, o mestre lhe repreende e o manda de volta para mais 3 anos de prática em volta da estátua. Mais 3 anos se passam quando um frustrado Shinran volta a ter com seu mestre para relatar sua frustração de ser ainda o que sempre foi. Claro que seu professor lhe dá uma descompostura e o manda praticar por mais 3 anos. Ao todo foram quase 20 anos de prática diligente, porém com pouca eficácia. Foi quando Shinran finalmente encara seu fracasso e sua total incapacidade de executar aquilo que não lhe era talhado que ele entende o que é a felicidade. Foi somente quando esse jovem monge declara sua incompetência e abandona essa prática que ele entende o que é a liberdade e sente pela primeira vez na vida a felicidade suprema.

Como Shinran, a cada momento de nossas vidas estamos tentando ser o que não somos ao invés de aprimorarmos quem realmente somos.  Vimos a internet nos bombardeando de informações de celebridades, vimos nossos chefes dirigindo BMW, vimos nosso vizinho se gabando de um meganegócio fechado e sentimos inveja. Essa inveja nos leva a buscar uma realidade ilusória de transformação que nunca iremos atingir e só vamos nos frustrar gerando raiva em nossas mentes. Essa raiva vai nos condenar ao sofrimento continuo e duradouro, pois no espelho alheio seremos sempre inferiores.

Ao passo que se olharmos para o NOSSO espelho, aquele ali no nosso banheiro e pudermos nos reconhecer como fracassados, mas com todas as condições de sermos felizes como Shinran, estaremos enaltecendo nossa natureza pura e nossas qualidades intrínsecas.

Se ao invés de querermos ser Steve Jobs ou qualquer celebridade fútil que nos cerca, fossemos o que temos de melhor dentro de nós?  Mesmo que você ache que é pouco, pode ser muito.

Deixe-me lhe dar outro exemplo. Me lembro que tive a oportunidade de fazer um tour privado no Palácio de Buckingham, em Londres, e durante esse evento fomos apresentados à Sala das Investiduras, na qual cidadãos britânicos são agraciados com reconhecimento da corte por seus feitos.  O que logo pensamos é que somente grandes personalidades recebem tal distinção, ledo engano. Fomos informados que a grande maioria são cidadãos comuns que fazem sua parte na sociedade britânica e me chamou atenção três casos: um homem que dedicou 57 anos de sua vida como voluntário da Cruz Vermelha sem receber um tostão por isso; uma senhora que impossibilitada de dar à luz, adotou 15 crianças e um leiteiro, sim um leiteiro que promoveu e incentivou durante 40 anos o uso do leite animal por crianças no seu condado. Todos devidamente recebidos no Palácio e reconhecidos pelos seus pequenos, porém importantes feitos.  Não eram Jobs, Churchills, Gandhis, Terezas eram apenas mães, pais e leiteiros.

Talvez todos eles acharam que estavam fazendo pouco e que eram fracassados, contudo, na verdade, eram heróis anônimos e atuantes, os quais nem mesmo faziam ideia de quem eram e da felicidade que podiam usufruir.

Dessa forma, quando alguém lhe dizer que você precisar ser mais, ou que você precisa ser líder ou que você precisa se espelhar em tal pessoa, apenas pense que os grandes seres humanos da história apenas se declararam fracassados para encontrar a felicidade plena. Seja você e seja feliz!

 

Texto de Monge Hondaku. Escola Terra Pura – Budismo Shin.

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