Nesta edição tivemos o prazer de entrevistar o monge argentino zen budista, Genpo Sensei. Ele compartilhou conosco um pouco sobre seu início no Zen Budismo, sobre a sua vivência nos templos no Japão e, principalmente, sobre a alimentação nos mosteiros.
Genpo Manuk Sensei nasceu em Buenos Aires, em 1978. Aos 20 anos iniciou a prática e o estudo do Zen. Em 2008 foi ordenado monge pela Soto Zen, no Japão, por seu professor, Daiken Yoshitani, que o enviou para treinamento monástico no mosteiro Myoko-ji, na cidade de Fukuoka. Em 2018, ele recebeu a Transmissão do Dharma de seu professor, tornando-se Sensei. Atualmente mora na cidade de San Luis, na Argentina, e dirige as atividades do Dojo Zen, de San Luis.
Sensei, poderia nos contar um pouco sobre seu início no Zen?
Genpo Sensei: Li um livro quando pequeno, adolescente, no qual era um compilado de pequenas histórias do Zen. Era muito bonito, porém, não o tenho mais, porque eu o emprestei, e não me devolveram. Mais ou menos, fui conhecendo a forma de pensar e como viviam os monges zen. Assim logo comecei a ter contato com diversos grupos quando vivia em Buenos Aires, e comecei a participar de sesshin, ter companheiros da sangha, e fui me aprofundando na prática. Isso foi ano 2002, mais ou menos, 2001, por aí.
Durante vários anos visitei e pratiquei em diversos grupos em Buenos Aires, porém, não me associei a nenhum deles, todos me pareciam interessantes, mas não havia nenhum em particular que me motivava para me tornar membro. Bom, um tempo depois, um amigo meu comentou sobre uma possibilidade de viajar ao Japão, há um monastério, onde se aceitava estrangeiros que ele tinha conseguido contato. Porque, às vezes, isso é meio inconveniente para os outros, pois nem todos os mosteiros no Japão aceitam estrangeiros. E assim, segue a história, me tornei monge e vivi alguns anos no Japão. No começo foi assim, conhecendo gente, lendo muitos livros. O que havia aqui na Argentina era muito livro, nessa época era por meio de leitura, não havia internet, tão pouco praticantes, diferente do Brasil que a comunidade é muito grande, na Argentina, até hoje, não temos um templo oficial.
Conte-nos sobre sua experiência no mosteiro do Japão.
Genpo Sensei: Tive a sorte de poder visitar vários monastérios, então pude ver distintos estilos e formas de prática. Em primeiro lugar, o que se passa no Zen, no Japão, é diferente do que li nos livros. Encontrei-me com muitas coisas que eu não sabia. Como, por exemplo, a sociedade japonesa no Budismo Zen tem uma área que está bastante relacionada com os cerimoniais funerários, isso não sei se a senhora sabe. Falo isso porque percebo que, na comunidade Japonesa no Brasil, essa atividade é mais conhecida. Pois entendo que a comunidade japonesa é muito grande no Brasil. Porém, aqui pratiquei durante 6 anos em Buenos Aires e nunca soube dessa atividade no Japão, este rol social. Em templo Zen, quando vamos fazer funerais começamos a aprender muito também. Pareceu-me muito coerente também, porque os monges estão de alguma forma em contato, como uma ponte. Normalmente, ensinando não temos um acesso direto para tratar, às vezes, com a realidade das pessoas que já faleceram. Porém, os monges ao praticar zazen, de alguma forma tem um vínculo prático com o vazio. E todo aparato cerimonial no Japão é muito forte, e aqui na Argentina, toda essa parte do Zen é secundária, sempre é muito zazen, principalmente. E historicamente o zazen era uma prática exclusiva dos monges. Parece que o zazen para leigos é muito novo, começou a ser difundido nos últimos 100 anos, com Sawaki Kodo Roshi. Isso também aprendi no templo, pois também não sabia.
Como foi sua adaptação à comida que era oferecida no templo, fale um pouco sobre isso?
Genpo Sensei: custou-me um pouco no início, nem tanto pelo templo, e isso é uma coisa que gostaria de falar, sobre minha experiência no templo, para um argentino, para um latino, estar no Japão representa uma troca cultural muito forte, é o que vamos achar no monastério. Mesmo estando no Japão fora do monastério, igualmente é uma experiência transformadora, por ser um contexto tão distinto, e no monastério também aumenta a intensidade dessa experiência. É bom, e muitas coisas engraçadas, quando falo com japoneses, que não são monges, se surpreendem muito, me recordo e uso palavras em japonês e tenho ideias de coisas do Japão que não se encaixam. A linguagem é muito diferente, a linguagem usada no monastério é exclusiva de monastério, muito diferente de como se fala nas casas japonesas. A alimentação, a dieta no Japão é muito diferente do ocidente, não comem pão, farinhas, tão pouco consomem açúcar, e isso foi um pouco difícil, mas dentro de alguns meses me acostumei.
O senhor passou por alguma experiência como Tenzo durante sua estadia no mosteiro?
Genpo Sensei: Sim, bastante, é um desafio muito grande ser Tenzo, é ter uma grande responsabilidade. Em monastério todos devem passar por Tenzo, e muito ruins (risos). Eu vivia um pouco estressado porque tinha que cumprir o horário exato, e tinha que cozinhar para muita gente. Nós éramos entre 15 a 20 pessoas, mais ao menos, não é muito, porém para mim era bastante. Achava um pouco pesado, devido a demasiada responsabilidade. Sendo que os ingredientes da comida eram muitas vezes muito estranhos para mim, as verduras muitas vezes eu não sabia o que eram, mas tinha que cozinhar mesmo assim. Aos poucos fui aprendendo. A princípio, o Tenzo é o único que pode sair do monastério, então eu ficava muito tempo na cidade, o mosteiro não ficava na montanha, ficava no meio de uma cidade grande no Japão. Então, tinha que, pela manhã, fazer as compras. Então tinha muitos problemas, pois ia ao supermercado e havia muitas coisas que eu não sabia o que eram, como se usavam. Por sorte achei um livro de receitas que estava em inglês, e cada vez que podia usar a internet ia buscar informação sobre aquilo. Para mim provavelmente foi a coisa mais difícil. Fora do monastério também é difícil organizar uma prática, um sesshin, pois é preciso de um Tenzo, sem Tenzo não há como, é muito importante.
O senhor já teve aversão à comida servida nas refeições do templo, mas ainda tinha que comer?
Não tive problemas, mas me lembro que passava meio mal do fígado e da barriga quando comia algo frito, por exemplo, normalmente tem que se comer igual a todos, e comer tudo, isto é uma norma.
A regra no monastério é que o Tenzo quando vai comprar comida não pode comprar carne, alimentos de origem animal, produtos desse tipo, funiô como é chamado. Porém, há uma regra que está acima dessa, algo comestível, que seja doado ao templo, pode ser descartado. Às vezes os dankas (leigos) vão ao templo e levam doações de comida, e os monges tem que consumir, não importa o que seja, se trazem maionese, ovos, tem que comer. Pelo menos no monastério onde vivia essa era a regra, tinha que consumir. É proibido jogar comida fora, temos que comer o que eles nos oferecem.
Como deve ser a conduta correta do monge em sua alimentação diária, mesmo fora do mosteiro?
Genpo Sensei: Esta uma coisa importante, esse tema é sobre os preceitos. Há distintas maneiras de praticar os preceitos. Os preceitos podem ser praticados de forma literal, figurativa, ou de forma simbólica. Nos últimos 150 anos no Japão, os monges budistas não eram obrigados a praticar os preceitos de forma literal fora dos monastérios. Então, mais ao menos há 150 anos, monges budistas no Japão começaram a ter família. Antes não podiam se casar, por exemplo, e agora é comum que os monges tenham esposa e filhos. Fora do treinamento oficial, os monges tradicionalmente têm que atravessar um período de treinamento intensivo dentro de um monastério. Durante esse período, durante o treinamento, os monges são obrigados a seguir os preceitos literalmente, não comer carne, beber álcool, namorar e etc. Uma vez que sai do monastério, termina o treinamento, aí pode, não tem problema. Mas de toda maneira, os hábitos de um monge, quando treinado, sempre tendem a ser moderados, creio que também é mais difícil, pois os monges têm desejos. É mais flexível, bom, se me reúno com minha família e amigos, está bem compartilhar a comida. Esse é um campo paradigmático que surgiu no Budismo, no Japão, que o monge pode ter uma vida integrada à sociedade. Mas acabam sendo um pouco criticados, porque isso pode de alguma forma corromper a prática se não tiver cuidado. Porém, por outro lado, tem um aspecto positivo, pela interação de que os praticantes e monges estão integrados na sociedade, não é alguém que está mais em uma montanha ou em outra circunstância, e sim um membro da sociedade como os demais. Essa é uma grande controvérsia para nós ocidentais, muito chocante para a nossa sociedade, às vezes custa entender.
Entrevista e tradução realizadas por Elaine Kôhô. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.