Em 10 de outubro, foi realizada, na sede da comunidade Zen budista Daissen Ji – em Florianópolis, a cerimônia de ordenação de quatro novos monges. Nesta edição e na próxima edição, traremos entrevistas com os monges noviços e conversaremos, especialmente, sobre a ordenação monástica.
A seguir, apresentamos a entrevista cedida, gentilmente, pelo monge Jitsugen. Em sua vida leiga Jitsugen san é pai, esposo e professor universitário. Passou muitos anos buscando o Caminho sem encontra-lo, investigou o Budismo de diversas formas para entender quais passos deveria dar para encontrar-se como praticante, para se descobrir budista. Depois de idas e vindas, buscando uma maneira de ser uma pessoa melhor para seu filho, encontrou a meditação, mas ainda não havia encontrado o Dharma; que foi descoberto após seu encontro com comunidade Daissen, depois de encontrar o professor, o mestre. Desde então, pratica o Zen Budismo há mais de 4 anos.
O monge compartilha conosco um pouco sobre sua história, sobre a sua ordenação, o caminho monástico, sobre o sesshin de treinamento monástico e nos deixa uma mensagem final àqueles que se iniciam na busca pelo Caminho.
Poderia contar-nos sobre sua trajetória no Budismo?
Monge Jitsugen: Hoje, no ano de 2021, eu estou com 33 anos. A primeira vez que eu escutei alguma coisa assim sobre Budismo eu era criança, assim com meus nove anos de idade, talvez, não me lembro. O que eu me lembro é de estar fazendo a primeira comunhão, se não me engano… catequese. Porque minha família é católica, então eles queriam que eu seguisse esses passos que eles aprenderam. Eu me lembro uma vez, da minha mãe me contando, não me lembro exatamente do dia, que eu estava indo para à catequese, era sábado de manhã e eu não queria ir, eu não me sentia bem indo, eu não gostava, fazia birra para ir, brigava, era aquela criança chata que não quer ir e minha mãe me forçava a ir. Ela conta desse dia, que eu não queria sair do carro e eu falei uma coisa tipo assim: “eu não vou, eu vou ficar aqui, eu quero ficar como um buda aqui sentado”. Em algum momento eu escutei alguma coisa de Budismo. Acredito eu. Minha mãe conta essa história como se fosse a primeira vez que estivesse falado alguma coisa relacionada ao Budismo e eu sinceramente não me lembro desse dia especificamente com todos os detalhes.
Eu sei que depois, já perto da adolescência, eu comecei a ter acesso a internet e essa coisa do Budismo me chamava a atenção. Eu não sabia exatamente o que era Budismo, para mim era coisa relacionada ao Dalai Lama. Eu me lembro que foi o primeiro livro que eu li pensei: “isso é Budismo, é um budista falando”, era aquele livro “A arte da Felicidade”, do Dalai Lama, que estava em casa. Aquilo me chamou muita atenção, porque era um livro bem didático, para as pessoas de forma geral, mas eu me identificava muito com aqueles conceitos, porque não tinha uma coisa de “eu tenho que acreditar em algo específico”; ter uma coisa de fé, é uma coisa que eu desconheço, que talvez eu duvide, que era muito o contrário do que a minha família falava. Eu não podia duvidar. Eu tinha que seguir de cabeça baixa aquilo. Eu não podia duvidar e isso me incomodava, não podia perguntar, não podia questionar e eu tudo questionava.
Eu era chato para caramba e ainda sou chato nesse sentido, porque tudo eu questiono. Talvez agora de uma forma um pouco mais educada, ou simplesmente questionar na cabeça, mas ficar quieto para não gerar desentendimento com as outras pessoas. Mas ainda eu me sinto muito questionador, a duvidar de tudo. Então na adolescência eu passei a ter acesso a umas coisas desse tipo, desses livros, e a internet ajudou, porque você jogava no Google, nem me lembro se era o Google ou se era o Kadê naquela época. Eu jogava lá e apareciam templos, apareciam pessoas e apareciam várias outras coisas. Eu me lembro de ter lido por exemplo aquele livro “Mente de principiante”, acho que foi a primeira coisa Zen, porque na época eu não sabia. Para mim era tudo Budismo, tudo igual. Hoje eu reflito e penso: “ah aquilo ali foi a primeira coisa Zen que eu li e que eu tive acesso”.
Teve um momento que eu tive a oportunidade, eu já estava morando em São Paulo; eu passei em várias cidades e estados na minha vida, mas naquele momento eu estava morando em São Paulo, e tinham templos ao meu redor, templos das mais diversas linhas, que sinceramente eu não sabia que eram linhas, linhagens ou qualquer coisa desse tipo, para mim, eram simplesmente templos budistas. Tinham alguns no centro, alguns que eram em algumas cidades mais retiradas e eu fui meio que tentar conhecê-los, tentar ver como é que era. Fui por exemplo no Templo Zulai, fui conhecer. E naquele momento a minha grande dúvida era assim: “ok. Eu estou vendo essas coisas, estou vendo esses templos, estou vendo esses livros e o que eu preciso fazer para entrar dentro disso? Do tipo, ah, agora eu sou uma pessoa budista”. Porque o que eu tinha aprendido era que: “eu tenho que fazer um curso, eu tenho que fazer a catequese, eu tenho que ir na missa todo final de semana…” A minha dúvida era assim: “quando que é a missa aqui? ” Como se eu tivesse que ir lá e ficar ouvindo alguém falar alguma coisa para mim. Eu não tinha a menor noção de nada disso. Foi também, acho que nesse momento, que eu comecei a ter contato com algumas coisas de meditação, que de novo, eu não sabia os termos, para mim era simplesmente meditar: sentar, contar a respiração; e foi assim por muito tempo.
Naquele momento eu realmente não encontrei, das pessoas que eu conversava, que eu mandava e-mail, ou eu ia num templo, ou em outro lugar, parecia que ninguém conseguia me responder ou deixar claro, coisas do tipo: “ah, agora para você ser budista você precisa fazer isso”. Incrível, porque eu estava na maior cidade do Brasil e parecia que não conhecia ninguém, que não tinha acesso a nada. Era o sentimento que eu tinha. Literalmente perdido. E isso foi ficando um pouco de lado. Basicamente eu comecei a ter essa coisa da meditação.
Teve um trecho de um livro, eu não me recordo até hoje se foi nesse livro do Dalai Lama ou se foi no livro do “Mente principiante”, não lembro, mas que era uma coisa relacionada a alimentação e eu naquele momento estava cursando nutrição, então a comida para mim era uma coisa extremamente importante; falava assim, que o ato de comer era uma grande oportunidade para o despertar, para a iluminação. Aquilo ali me deixava muito intrigado, porque todo dia eu comia e eu todo dia via aquela oportunidade na minha frente desse despertar e eu simplesmente não sabia nada disso. O que era? O que fazia? Enfim, totalmente perdido.
Então, pelo menos uns dez anos talvez, talvez um pouco menos, isso até os meus vinte e sete anos mais ou menos, então dos vinte até os vinte sete anos de idade, sete anos passados, basicamente, o que eu tive foi algum contato com alguns tipos de meditação, sejam meditação relacionada mindfulness, que vai contar a respiração, que vai prestar atenção nos sons, que vai estar ali, chamando o momento presente, para ficar calmo, para não ter estresse e coisa desse tipo. A questão do ser budista ou praticar o Budismo, para mim ficou realmente de lado porque eu não encontrei como fazer isso ou talvez, isso seja muito verdade, não tenha ido atrás realmente. Eu pensava simplesmente, que algumas perguntas pudessem me responder, mas naquele momento não, talvez a minha mente questionadora, de ficar duvidando de tudo, talvez não estava aberta a escutar essas pessoas de fato, penso eu.
Hoje eu não sei dizer o que realmente aconteceu, mas o que eu sei, é que ali, talvez com os meus vinte e sete anos, não sei, mas isso era mais ou menos 2014, 2015, eu nem me lembro a idade que eu tinha quando meu filho ia nascer, essa é a verdade, mas hoje ele está com quatro anos, vai fazer cinco agora em janeiro de 2022, mas quando descobrimos, eu e a minha esposa, que teríamos um filho, aquilo ali para mim foi um grande alerta do tipo: “eu acho que eu preciso ser uma pessoa melhor para poder cuidar dessa criança”. Então, essa criança vai vir para o mundo, não sabia se era menino ou menina, mas que ia ter uma criança que ia brotar ali e eu precisava ser uma pessoa melhor, porque eu sentia raiva, sentia estresse, tinha dias que eu sentia fúria. Tinha momentos de estresse, seja por conta de trabalho, questões do mundo, eu sentia raiva, eu percebia raiva em mim e eu não gostaria de passar isso para ele, eu não gostaria de brigar com ele e eu não gostaria de maltratar essa criança de qualquer forma, eu queria que essa criança fosse bem tratada e pudesse ser bem-educada, eu gostaria de poder ser um bom exemplo para ela.
Então, em 2016, estava muito em alta essa questão dos aplicativos de meditação, timers, etc., eu lembro que eu conheci o Headspace, um aplicativo online, e era focado muito no mindfulness, que era uma coisa que eu estava trazendo para o meu trabalho, para a relação de alimentação, que acabou influenciando bastante minha conduta profissional, e eu estava praticando aquilo. Sei que eu fazia aquilo todo dia, e de fato eu senti mudanças, as pessoas ao meu redor também perceberam algumas mudanças. Então, praticando com esses aplicativos, foi talvez um primeiro passo para essa questão da meditação budista, porque se parar para pensar o mindfulness e todas essas coisas são ingredientes que retiraram do Budismo, basicamente deram outros termos, mas são ensinamentos budistas de forma geral. Existe uma outra linha da psicologia que não tem nada a ver com budismo, mas é muito semelhante, e são as duas linhas principais da questão do mindfulness, e a principal delas é a mais famosa no mundo, ela é realmente budista, mas as pessoas têm medo de usar esse termo.
Teve um dia, eu estava em casa com a minha esposa, e eu me lembro que eu vi na televisão uma pessoa vestindo um rakusu, aquilo me deixou intrigado. Olha que interessante, eu senti alguma coisa com aquilo. Eu não me lembro se eu já tinha visto, porque eu já tinha lido no livro do Zen, “Mente Principiante”, mas eu não me lembro de ter visto antes uma pessoa com aquela roupa e aquilo me deixou intrigado. Eu me lembro que eu virei para o meu lado direito e perguntei para a minha esposa: “e se eu fosse atrás dessas coisas de Budismo? Realmente ir atrás”. Aí ela falou: “talvez seja uma boa ideia”. Então eu fui.
Naquela semana mandei e-mails, nesse momento eu já estava morando no interior do Paraná, em Francisco Beltrão, que é inclusive a cidade onde eu moro hoje, mandei e-mails para várias comunidades, que encontrei no Google. Eu fui descobrir o que era aquilo que a pessoa estava vestindo e entendi: “ah, isso aqui é Zen Budismo, ah, linhagens e escolas diferentes…”. Então eu comecei a entender.
Eu mandei e-mails para vários locais, eu joguei no Google Maps e apareceu comunidades budistas, por exemplo, as que tinham no Paraná e vi que tinham algumas “próximas”; tinha por exemplo: Foz do Iguaçu, se não me engano, tinha da Terra Pura; tinha em Curitiba, na Praça do Japão era Zen Budismo. Eu fui mandando e-mails para esses locais, até que uma pessoa me respondeu, que foi lá de Curitiba, o monge responsável pelas práticas, ele me disse: “olha, para você fazer parte de uma comunidade, fazer tudo isso que você está procurando, você precisa encontrar um professor ou professora e seguir aquela comunidade. Praticar retiros, sesshin ou zazenkai”. Ele falou exatamente esses termos e para mim, sei lá, o que era aquilo naquele momento, mas ele falou que tinha que fazer sesshin e zazenkai, entrar em contato com o professor, e esse professor ou professora iria avaliar minha prática e dar continuidade. Então eu entendi: “Ah eu preciso achar alguém”, ou seja, não é só um espaço que eu vou, igual as pessoas quando vão à missa no final de semana.
Eu tenho que achar alguém que me oriente, mudou a perspectiva. Então não era só achar lugares perto de casa. Eu precisava achar alguém. E aí eu expandi, saí do estado do Paraná e fui olhar outros locais. E o que aconteceu? Uma das pessoas que eu entrei em contato, que tinha uma comunidade e era relativamente perto da minha cidade, em Santa Catarina, na cidade de Concórdia, da minha cidade até lá dá algo em torno de 200 e poucos quilômetros, uma pessoa de lá, de uma comunidade chamada Daissen, me respondeu e finalizou assim: “atenciosamente, Shudô” O que ela me disse? Ela me falou sobre a comunidade, me falou sobre a prática, falou como era, falou quem era o Monge responsável, me falou sobre um tal de Monge Genshô. “Aqui tem uma pessoa responsável, tem um professor, tem uma comunidade”, eu já estava fazendo os planos de uma vez por mês viajar os duzentos quilômetros para ir lá e sentar em zazen, eu pensei: “que loucura”, porque é longe, dá umas três a quatro horas de viagem. Eu ia fazer isso uma vez no mês, talvez? Ir e voltar no mesmo dia? Era meu plano. E então, eu me lembro que eu já estava fazendo o zazen, há alguns meses, porque essa conversa de estar buscando algumas pessoas tinha demorado alguns meses, eu já estava fazendo zazen, sentando na postura, mas eu tinha dúvidas, porque uma coisa é eu sentar e colocar a mente baseada no que eu estava fazendo de mindfulness outra coisa é eu tentar fazer o shikantaza, que eu estava tentando descobrir o que era e eu falei para Shudô san: “olha, eu gostaria de aprender, poderia me ensinar a postura, será que tem algum dia que eu posso visitar vocês aí? ”, então ela falou assim: “sim pode vir”. Então eu fui.
Peguei o carro e viajei, foram umas três horas, talvez, de viagem, e ela deu o endereço da casa dela, eu me lembro que na hora que eu cheguei, estacionei o carro, e caiu a ficha, falei: “Que loucura! Essas pessoas aqui estão me recebendo na casa delas, nunca ouviram falar de mim, não sabem se eu sou um serial killer e estão abrindo a porta da casa delas”. Pensei: “Cara, esse povo é louco! ” Eu me lembro que eu pensei nisso: “Esse povo é louco! Mas já que estou aqui, vamos lá. Eu não vou matar ninguém, eu não sou nenhum serial killer” (risos). Então eu toquei a campainha, passei o dia inteiro com essas pessoas, no caso a Shudô san e Henpou san.
Eles me ensinaram a postura, corrigiram o que eu estava fazendo, e foi muito bom. Eu me lembro que eu senti como se estivesse com pessoas que eu conhecia e fazia muito tempo que eu não via. Uma sensação, por exemplo, eu morei em muitas cidades diferentes, eu via a minha família, talvez, uma vez ao ano, às vezes até mais que isso, tios, tias, primos, primas e avós eu demorava muito tempo para vê-los, mas quando nos víamos era uma sensação de estar voltando para casa; e eu me lembro que quando eu fui embora, já estava de noite, fiquei para jantar, o sentimento foi esse, é um sentimento de não querer ir embora, como na família, você não quer se despedir, eu me lembro até hoje. O Henpou san sempre fala assim: “não existem encontros sem despedidas”, isso me marca muito, porque, de fato, é isso. E ali foi o primeiro contato que eu tive.
Logo em seguida Shudô san me instruiu para eu conversar com Monge Genshô, isso eu me lembro que era 2017, final do ano 2017, mandei um e-mail para o Monge Genshô, eu já estava assistindo as palestras dele online, já estava escutando e eu me identificava com a forma como ele falava. É curioso, não é? Porque eu nunca o tinha visto, mas pelos vídeos, eu me identificava com a forma com que falava, como ensinava. Parando para pensar fiquei uns dez anos buscando alguma coisa e em um mês que eu conheci essas pessoas e já estava tudo resolvido. Resolvido no sentido assim, conheci as pessoas, me identifico com essas pessoas, eu estou entendendo o que elas estão ensinando; porque até então, eu fiquei dez anos e eu não entendia nada, não sabia o que era. E ali, em um mês parece que tudo se resolveu, se encaixou.
Logo em seguida, a Daissen, tinha essa coisa das comunidades em suas cidades, que seria talvez buscar pessoas ou conversar com as pessoas próximas de você e dizer: “olha, vamos sentar juntos aqui para fazer zazen, para meditar juntos? ” E foi um convite que me fizeram: “olha será que não tem mais pessoas aí na sua cidade que queiram sentar? ”, e eu conversei com algumas pessoas próximas e sim tinham pessoas que queriam sentar aqui. Então, foi uma oportunidade de pedir para o Monge Genshô: “Sensei, temos algumas pessoas aqui na cidade que querem sentar, será que o senhor pode nos orientar? Que seja um futuro grupo de prática? ”, e ele disse: “Sim. Vamos orientar então”. E ali mais ou menos surgiu o grupo da minha cidade, isso já na virada de 2017 para 2018.
Em 2018, em fevereiro, se não me engano, foi quando teve o encontro Zen Latino Americano, que foi sediado aqui no Brasil, em Florianópolis. Aquele foi o primeiro momento que eu fui para conhecer de fato a comunidade Daissen, conhecer o Monge Genshô, conhecer as pessoas da Comunidade. Para mim, foi a primeira vez que eu vi essas pessoas, e eu tive a oportunidade de confirmar: “olha, eu gostaria de ser seu aluno, vamos ver se o senhor me aceita”, ali meio que chorando, assim: “queria ser seu aluno, o senhor tem um tempo para mim…” e sim, ele aceitou ser meu professor e eu ser aluno dele. Foi quando eu conheci presencialmente todas as pessoas, conheci vários outros mestres naquele dia, porque tinha umas dezenas de mestres.
Eu me lembro que me marcou, nós estávamos sentados no almoço, naquele encontro Zen, no Morro das Pedras, onde foi esse encontro, as mesas eram redondas e cabiam, sei lá, umas seis a sete pessoas na mesa, várias dessas mesas espalhadas, e num desses intervalos, eu estava sentado lá, o Monge Genshô estava conversando com as pessoas, ele sentou na nossa mesa e estava perguntando para os alunos: “o que está achando? Como é que está? ”, e ele perguntou para mim: “o que que você está achando? O que está achando da Daissen? Da comunidade e do encontro? ” E eu tentei explicar, mas eu não soube qual era o meu sentimento, porque eu estava feliz, eu estava bem, e ele falou assim: “Ah, é o sentimento de estar em casa, não é? ” E eu falei: “exatamente isso! ”
Então, esse foi o meu contato, a partir daquele momento, é só prática, é só se dedicar para as pessoas daquela comunidade. Ele foi nos mostrando isso, o sentimento de você estar em casa, estar com as pessoas que te ajudam a crescer. É engraçado, porque as pessoas falam assim: “ah, família é tudo de bom”. Mas a família briga, a família se desentende, tem atritos e isso é importante; para mim na comunidade tem tudo isso, não é todo mundo só sorrindo, só feliz, tem momentos que temos que parar, refletir e ver o que nós vamos fazer agora. Às vezes eu digo assim: “sentimento de estar em casa, é um sentimento muito bom, mas também tem os atritos, não é? ”. Então percebemos que isso é um treino muito interessante, o quanto talvez eu esteja querendo impor minha opinião, o quanto talvez eu tenha que ficar quieto agora porque outra pessoa realmente tem uma perspectiva muito melhor do que a minha. Então, essa família que cresce junto, o Sensei fala dos pinheiros, não é? Vamos nos cutucando, mas crescemos reto.
O que levou o senhor ao caminho monástico? E por que alguém se torna um monge?
Monge Jitsugen: Essa pessoa deve estar meio louca da cabeça, não é verdade? Eu me lembro no encontro Zen Latino Americano, e, veja, aquele foi o meu primeiro contato presencial com mestres, com monges, etc., assim do Zen, da comunidade, eu pratiquei um tempo, mas para mim o primeiro contato de fato foi aquele no encontro, e eu me lembro que tiveram palestras, tinham monges que vieram do Japão só para participar, foi muito legal, e estavam contando como é que eram os mosteiros no Japão, e coisas assim, e eu me lembro que um dos monges perguntou em Japonês e depois traduziram: “aqui alguém se interessa em ser monge? ”, tinha umas cem pessoas de vários países e eu acho que uma meia dúzia ergueu a mão. Eu olhei e disse: “esse povo é louco! Estão contando que o negócio é trabalho, trabalho, trabalho, tem que acordar, sei lá, umas quatro da manhã e fazer zazen, ficar varrendo o chão, limpar o chão e se abaixa e carrega peso”. Eu disse: “eu não aguento! Eu sou magrinho! Vou estragar minhas costas”, pensei. Mas pensei isso sabendo: “deve ser uma vida muito interessante! ” Eu não descartei, eu me lembro que falei assim: “eu não vou dizer que sim nem que não, porque há alguma coisa ali…”. Eu me lembro que eu fiquei com um sentimento assim, do tipo, esse povo é louco, mas faz sentido, apesar dos pesares, faz sentido.
Isso nós estamos falando em 2018, e então vamos considerar que era o meu primeiro retiro. Não era bem um retiro, mas logo em seguida, talvez alguns meses depois, isso em Concórdia, teve um sesshin com o monge Genshô, eu me lembro que estava frio, que era mais ou menos inverno, naquele sesshin, tivemos um dokusan e foi então a primeira entrevista de sesshin com Genshô Sensei, e eu contei como estava a minha experiência, como é que estava a minha prática, o que eu estava fazendo, como estava a comunidade em Francisco Beltrão, que naquele momento já estava sentando todos os sábados juntos, e eu me lembro que ele olhou sério assim para mim e falou: “eu tenho um desafio para você. Um desafio para você desistir. Eu quero que você costure seu rakusu”.
Naquele momento, a experiência que eu tinha era que as pessoas falavam do rakusu como se fosse uma coisa muito difícil. Ficavam anos para costurar, e eu já tinha visto um pouquinho de perto, aqueles pontinhos. Eu sabia que era um monte de retalhos. Eu pensei: “Ele está me dando um desafio para eu desistir, (risos). Eu mal comecei e já querem que eu vá embora! ” Sabe o “pede para sair”? Eu falei: “hai, Sensei! ”. Eu não questionei, e acabou aquele dokusan. O próximo sesshin, depois daquilo seria em novembro, que eu poderia participar. Tem outros encontros no Brasil, mas eu não tenho condições para ficar viajando o Brasil inteiro, então eu estava indo nesses do Sul. Ia ter em novembro um que era um feriado de novembro, não lembro qual, e em seguida, no ano de 2019, o sesshin de carnaval, normalmente era em Florianópolis no Carnaval. Isso já em 2019, e eu ganhei o manual do rakusu, para costurar, e eu falei: “isso aqui é impossível! ” Eu fui ver os materiais para comprar, tipo agulha, tesoura, essas coisas, e mostrava para as costureiras e elas falavam: “eu não sei fazer isso não, mas boa sorte! ”.
A Suuen San, no caso, me ajudou, me deu todas as instruções, eu disse a ela: “olha, eu estou tentando me planejar, talvez, para ter tempo, eu sei que as pessoas demoram talvez anos para costurar, mas talvez quem sabe, no sesshin de carnaval, quem sabe no ano que vem”. Então ela falou: “na verdade, um rakusu, se fizer bem as etapas, é possível costurar em uns dias”. O Sensei, depois disso, ou ela, não me lembro como foi a história, contou que a Suuen san, estava costurando em três dias, e ela falou para mim: “olha, você tem dois meses para costura. Dá tempo”, se não me engano desse sesshin até novembro era uns dois meses.
Então, passou os dois meses, costurei um pela metade, que estava horrível, deixei de lado; costurei o outro, e nesse outro, eu já não tinha tanto prazo porque já estava chegando em novembro, eu errei, fui querer acertar uns negócios com isqueiro, para queimar o tecido para não desfiar, o rakusu começou a pegar fogo, foi muito angustiante essa costura. Porque tinha o prazo e o negócio pegou fogo, e o que eu estava usando, recentemente, antes da ordenação, era justamente esse que tinha pegado fogo. Para mim foi muito bom, e eu não desisti (risos), continuei, mesmo com o negócio queimado eu continuei, porque para eu costurar aquilo, na minha mente era uma coisa do tipo: “se a comunidade precisar, eu vou fazer”. Se a comunidade precisa que eu acordo, por exemplo, num sábado de manhã, fazendo zero grau, para ir sentar, eu vou fazer; e muitas dessas vezes, num sábado de manhã, que acordava, por exemplo, para estar junto com eles sete da manhã, fazendo zero grau aqui na minha cidade, fui lá arrumei as almofadas, preparei para receber as pessoas, e ninguém apareceu. Mesmo assim, eu vou fazer.
Eu acho que ali foi uma mudança de pensamento. Porque eu me lembro de ter falado numa carta para o Sensei, uma coisa do tipo: “entendo a diferença entre aluno e discípulo”. Foi a primeira indireta que eu dei para ele sobre pedir alguma coisa, porque bem da verdade eu nunca pedi nada, as coisas simplesmente vão se fazendo. Como assim desistir? “Eu quero que você desista”. Mas ali eu dei uma indireta e fui seguindo tentando ajudar as pessoas na minha cidade, tentando ter o grupo, os próprios sesshin, depois começaram outras demandas da própria comunidade Daissen e vamos trabalhando nessas demandas.
Foi interessante porque algumas pessoas que não sabiam que eu praticava Zen Budismo, não sabiam de nada disso, as pessoas chegavam para mim e falavam coisas como: “você é muito calminho, você é muito zen”. Ou ainda, me lembro que aquilo me impactou, teve um grupo de pessoas, de alunos meus da universidade, eles falaram assim: “ah, você é o nosso monge”. Aquilo começou a ser estranho, porque eu nunca tinha falado nada dessas coisas para essas pessoas. Em outra oportunidade, em um curso que eu fui dar em Brasília, fui visitar as pessoas queridas de lá. Fui visitar Dôshin San e a monja Sodô, falei: “olha eu estou aqui, vou dar palestra, será que as senhoras têm um tempinho para conversamos? ”. E saímos para jantar, e elas perguntaram como eu estava, eu me lembro da monja Sodô falando assim: “ah, o senhor está vivendo como monge, não é? ” E então, ali o que eu percebi: as pessoas ao redor estavam fazendo esse tipo de observação, então eu pensei: “parece que é um caminho sem volta, do tipo: parece que você já estava fazendo isso”.
Então em 2020, um sesshin em Brasília, num dokusan, numa entrevista com o Sensei, estávamos conversando sobre isso, o que eu ia fazer, o que eu tinha que fazer, o que eu precisava fazer, e juntos chegamos nessa conclusão do tipo: “olha, talvez seja interessante ver esse outro caminho aqui”. E, ficou decidido naquele dia. Isso foi pouco antes da pandemia, foi no carnaval, algumas semanas depois, já estava em lockdown, mas o nosso plano era ter feito essa ordenação naquele mesmo ano, 2020, mas foi muito bom não ter acontecido naquele ano.
Tivemos um ano e meio para mais, onde outras pessoas também estavam postulantes a monge e tínhamos reuniões quinzenais com treinamento, com dúvidas, coisas que talvez se eu tivesse antes não teriam sido conversadas. Então foi muito bom isso ter sido postergado, por coisa do acaso, mas ter sido postergado para conversarmos. Então, a decisão surgiu assim, de pequenos passos, que te colocam naquele caminho, quando se está lá você simplesmente pensa: “nossa, como é que eu vim parar aqui? ”. O que eu percebo é que não é uma coisa do tipo ter um insight agora, e a partir de amanhã vou fazer tal coisa, não, não foi isso. E realmente se alguém pergunta assim, e algumas pessoas perguntam: “porque você está fazendo isso? ”, eu respondo: “sinceramente não sei”; porque não tem uma coisa óbvia e lógica, porque é uma construção inteira. Mas se você pega a construção inteira, você percebe o que é por outra pessoa e o que é por você, porque não é para mim.
Eu fico pensando assim, que não queria simplesmente ser uma pessoa calminha, eu queria ser mais calmo para o meu filho, então talvez começou por ele. Com o tempo você vai vendo que tem outras pessoas, e que vai fazendo por todas essas pessoas. Para os meus alunos na universidade, para as pessoas que eu convivo, então você começa a ver que é por isso. Pelo menos é a conclusão que eu chego, mas não teve nada de uma resposta magnífica, que missão, sabe aquelas “frasesinhas”, igual a tem no Ted Talk, porque a minha missão de vida é essa, porque não teve insight, nada disso. Foram um monte de coincidências e coisas que vão acontecendo te colocam ali. Pelo menos foi assim comigo. Acho que é isso.
Fazendo parte de uma comunidade da Escola Soto Zen, qual é o significado da ordenação monástica na Soto Zen e para o senhor?
Monge Jitsugen: Eu não sei dizer exatamente qual o significado na Soto Zen, mas percebemos que é uma instituição que tenta colocar os passos corretos para você seguir, porque se não tivesse uma instituição em si, qualquer pessoa ia num site aleatório, comprava assim roupas de monge e vestiria aquelas roupas e seria aquilo, não é? Então, a instituição, ela traz isso. Ela traz uma questão de segurança, traz uma questão de credibilidade, ela traz uma questão de método, de passo a passo, para exigir da pessoa para que consiga avançar, vamos colocar assim, essa palavra avançar. Eu, por exemplo, como professor universitário, eu tive que estudar o ensino médio, tive que fazer uma graduação, tive que fazer pós-graduação, tive uma série de etapas e cada uma dessas etapas tem uma avaliação para ver se está apto a seguir em frente, por exemplo, para entrar na universidade e dar uma aula sobre um assunto x. Então na instituição existe um peso muito grande nesse sentido.
Além da questão do seu treinamento espiritual, aqui vamos usar essa palavra, como perspectiva, como mente, como conduta. Tem também uma questão burocrática que muitas vezes é vista como negativa, mas não, se olharmos bem dá credibilidade aquela pessoa, aquele futuro professor, por exemplo. Porque senão qualquer um pegava, como acabamos de falar, qualquer um pegava uma roupa de monge, essas roupas que eu falei, o rakusu, para costurar. Então, na Soto Zen como instituição, eu poderia focar nessas duas coisas: a questão do método e a questão de credibilidade. Para mim, pessoalmente, eu reforço isso, a diferença, se pararmos para pensar, essa pessoa tem uma linhagem, essa pessoa tem uma credibilidade naquilo que está falando. Então se olhar a história, no caso, por exemplo, pega a Soto que tem pelo menos mil anos de idade, podemos tirar que algum mérito eles têm dentro disso. Existe uma credibilidade, não é uma coisa que foi inventada agora, aqui no quintal de casa. Então para mim, estar vinculado numa instituição é muito nesse sentido de compreender um método e compreender a credibilidade disso.
Para se prepararem para a ordenação o senhor e os outros monges noviços participaram de um retiro de treinamento monástico, poderia explicar um pouco para nós o que significa e qual é a importância desse retiro?
Monge Jitsugen: O retiro de treinamento monástico, basicamente, não foi um sesshin de silêncio, porque precisávamos conversar, precisava ter instrução, perguntar se não entendeu, explicar aquilo que entendeu e que não entendeu, então não foi um sesshin de silêncio, e sim um sesshin de treinamento, podemos conversar sobre várias questões.
Estávamos em quatro monges, quatro pessoas postulantes para serem monges e, por exemplo, para a maioria de nós ali nunca tinha vestido aquelas roupas, um koromu, os quimonos, e aquelas roupas são uma série de peças que são muito difíceis de vestir, de organizar, enfim. Teve treinamento com as roupas, treinamento com a própria organização de cerimônias no sesshin, como é que funciona a comunicação imaginando que talvez num mosteiro, num monastério, ele seja grande demais e você precisa se comunicar com essas pessoas, não é pelo telefone nem pelo WhatsApp, é pelos sinos, sinos ou madeira, o som!
Então esse treinamento com os sinos, com as madeiras, tivemos para cerimônia, para organização do dia a dia, compreensão do dia a dia e tivemos treinamento do comer, treinamento com os orioki, que são aquelas tijelinhas, como é que abre uma tijelinha dessa, como é que fecha, como é que organiza. Foram 3 dias, aliás, 2 dias e meio. Entramos na sexta à noite, sábado o dia inteiro e domingo. Para chegar no domingo de tarde com a ordenação, então foram dias nesse sentido, para organizar como seria ali, como é que funcionam as roupas, como que funciona a comunicação, algumas dúvidas do próprio monge do tipo: “o que que eu faço aqui, como não faço”, “como me porto perante a comunidade”, então foi muito mais nisso; um momento para se colocar já nessa posição de monge noviço e como poderia ser para lidar num sesshin, por exemplo, ou num encontro com outras pessoas. Foi um treinamento muito interessante para isso, muito importante porque saímos de lá com uma noção de como se vestir, que são roupas, como mencionei, difíceis de colocar e tirar, com o treino têm pessoas que vestem aquilo ali em 30 segundos, acho que hoje eu demoro muito mais que isso, eu não cronometrei ainda, mas muito mais do que isso, com certeza.
Quais seriam as atribuições de um monge noviço dentro da comunidade e o que pode vir a ser depois?
Monge Jitsugen: Bom, as atribuições de um monge noviço, como Monge Genshô nos diz, é ficar em silêncio e varrer o chão. Então se pararmos para pensar em “níveis”, vamos dizer assim, esse é o menor nível, que basicamente não é nada, você é simplesmente um insignificante. Isso pensando em mosteiros, se você vai para um templo, você não é nada, literalmente. Por exemplo: você chega lá, você é o mais novo, se você quer usar água quente, você não pode, porque isso é só para os veteranos, se você quiser lavar a mão com uma água quentinha no inverno, por exemplo, no Japão, você terá que usar água fria, porque você simplesmente não é ninguém ali. Nesse momento, esse monge noviço é lembrado disso a todo momento, é lembrado que não é nada e isso é muito importante porque no primeiro momento algumas pessoas podem perguntar assim: “nossa mais que falta de respeito, que coisa mais humilhante, que coisa mais desumana” e na verdade, se pararmos para pensar, o treinamento Zen como um todo, ele é isso! O que tem se de significado por de trás? Você está quebrando o seu ego, está pegando aquela sua vaidade de querer achar que você é importante, de querer achar que sua voz precisa ser ouvida, você está colocando isso de lado. Porque nesse momento o treinamento é esse!
Então esse monge de forma geral, se pararmos para pensar, o monge noviço não é nada, ele está ali simplesmente para receber instruções, dizer “Hai” (sim, em japonês), “sim, farei isso da forma como está sendo solicitado pelos meus superiores”. No caso, aqui na Daissen os monges têm algumas atribuições, há algumas funções, sejam elas administrativas, sejam relacionadas à prática, e simplesmente vamos lá e fazemos essas atribuições. Seja, por exemplo, responder os e-mails, seja cuidar de alguma turma, abrir sala, dar instrução de zazen para as pessoas que estão iniciando, enfim, são funções que nos são dadas e dizemos “sim, está bem, farei isso”. Então o noviço serve para isso. Basicamente o primeiro passo é quebrar a sua vaidade, quebrar esse seu ego, essa coisa do tipo: “ah mais por que que eu vou ficar em silêncio? Eu quero dar minha opinião aqui” e não, a tua opinião nesse momento não importa e isso vai sendo lembrado a cada momento.
Se pararmos para pensar nos passos posteriores existem coisas que podem acontecer, esse monge noviço, por exemplo, pode receber uma autorização, uma indicação para realizar um combate de Dharma, participar de um hossen shiki, onde esse monge, depois de anos treinando vai se expor para ter seu conhecimento julgado de certa forma por monges veteranos, então esse combate do Dharma serve perguntas ao público, essa pessoa está com os monges recebendo perguntas e ela tem que responder essas perguntas. Muitas vezes as perguntas são bem fora de lógica, típico do Zen, então a pessoa tem que mostrar o seu conhecimento, o seu nível de prática. Essa pessoa avançando nisso recebe o título, a denominação, de monge zagen. Antes monge jôza, agora monge zagen, que é basicamente um monge instrutor de outros monges, instrutor de zazen. Mas é basicamente isso, monge zagen, esse monge pode eventualmente responder perguntas ao público, pedindo autorização, dar palestras; na Daissen, por exemplo, a monja que tem essa denominação é a monja Sodô, ela é uma monja zagen.
Posteriormente, esse monge pode participar de treinamentos, por exemplo, em mosteiros que são reconhecidos pela Soto shu, a maioria deles está no Japão. É aquele que falamos: “ah esse monge esta agora indo para o Japão”, esse monge está indo lá para treinar, que são os períodos de “Angô”. O Angô são 3 meses que a pessoa passa em treinamento, aprendendo a fazer cerimônias, aprendendo a fazer um monte de coisas e, de novo, esse monge, como novato, nesse treinamento, ele será sempre colocado no final da fila, sempre como último, sempre lembrando que não é nada ali. Um treinamento interessante nesse sentido, então a pessoa passa por esse período de 3 meses, cada Angô tem 3 meses, e dependendo do seu nível de instrução educacional, esse período que ele terá que passar lá para ganhar novas denominações pode variar. Uma pessoa com graduação, com nível superior educacional, que precisa para ganhar denominações como, por exemplo, como professor, kioshi, ela precisa passar por Angô três meses, 2 vezes de 3 meses, num total de 6 meses. Uma pessoa sem esse grau de escolaridade terá que passar mais tempo em treinamento para poder subir nessa denominação de kioshi, de professor. Essa ordem pode variar, dependendo da comunidade e etc., na Daissen essa ordem é priorizada.
Uma outra coisa que pode acontecer também é essa pessoa receber essa transmissão do Dharma pelo seu mestre, então é reconhecido nesse aluno, nesse monge, que ele tem algum nível de experiencia mais avançada espiritualmente, um reconhecimento nesse sentido pelo seu mestre ou em algum grau. E quando essa cerimônia de transmissão acontece esse monge pode participar de um Zuise, que é no Japão, e ela vai prestar homenagens aos mestres do passado da Soto, lá no Japão, seja em no templo de Eiheiji ou Sojiji. É interessante que esse monge vai ser abade por um dia no templo, então é algo muito interessante simbolicamente falando e nesse momento essa pessoa pode usar o seu rakusu na cor ocre, aquele amarelinho mais escurinho, e essa pessoa passa então a se chamar de Sensei e esse é um dos passos então, às vezes, está invertido, às vezes a pessoa recebe a transmissão primeiro, depois vai fazer o Angô, ou primeiro faz o Angô e depois recebe a transmissão, mas isso nem sempre acontece, às vezes, essa pessoa, esse monge fica nesse patamar de monge noviço pelo resto da vida e pela Soto tem um tempo limite para cada uma dessas etapas acontecerem. Por exemplo, monge noviço pode ficar como noviço por 10 anos, se não fizer o zagen depois desses 10 anos eles simplesmente retiram o seu registro da Soto.
Então existem essas etapas que tem que ir acontecendo para você não ser retirado do registro e nem sempre acontece, é um fato, nem sempre esses passos vão acontecer, depende de muitas variáveis, da sua prática, dos seus conhecimentos, do seu professor e etc.
Que mensagem o senhor gostaria de deixar para aqueles que estão iniciando no Caminho?
Monge Jitsugen: É um conselho que talvez eu daria até para mim mesmo a 10 anos atrás, porque de certa forma, no primeiro momento podemos estar procurando soluções, procurando estratégias, ferramentas para aquela angústia que estejamos tentando sanar e precisa de muita paciência para passar por isso, precisamos de muita paciência para entender as coisas. Porque eu me lembro, que se eu conversar com essa pessoa de 10 anos atrás hoje, aquela pessoa seria extremamente impaciente, seria uma pessoa que duvida muito mais do que duvida hoje, então se eu falasse assim: “Olha, sente-se ali virado para parede por 40 minutos e faça isso todos os dias“, muito provavelmente naquele momento eu ia duvidar do tipo: “eu não acredito em você, eu não acho que isso aqui vai resolver a minha vida“, leria aqueles termos, inclusive eu li hoje uma coisa sobre isso que foi a pergunta que motivou Dogen a ir para China: “Se eu já tenho a natureza de Buda porque eu preciso me sentar então?”, e ele foi pra China para tentar responder essa pergunta. “Se eu já tenho essa natureza porque eu preciso praticar?”.
Então, o conselho, ou o alerta, ou o chamado que eu gostaria de dar é esse: confie no método, sente-se, tenha paciência, as coisas se esclarecem, continue estudando continue praticando, tenha contato com o seu professor, com sua professora, leve suas dúvidas, pergunte! Se a resposta que você receber não fizer sentido agora está tudo bem, guarde essa resposta num cantinho, vá praticando, daqui 1 ano, daqui 5 anos, quem sabe, talvez até mais, sua resposta vai fazer mais sentido. Isso eu vejo por mim, vejo pelos relatos do meu professor Monge Genhsô, eu vejo esses relatos do tipo: eu tinha perguntas, mas que a resposta eu não entendia, mas que com o passar do tempo, às vezes meses, às vezes num final de semana, num sesshin, às vezes anos, aquela resposta ela fez sentido e você percebe que é uma resposta muito verdadeira. Então paciência, calma, um passo de cada vez, uma etapa de cada vez, sem a pressa de querer alcançar alguma coisa rápido. Temos tempo! O tempo é a única coisa que nós temos e não vamos resolver um dilema existencial de uma vida inteira em um estalar de dedos, é questão de ir construindo passo a passo.
Esse seria um conselho que talvez eu daria para mim mesmo um tempo atrás e até hoje. Costumo me lembrar disso: um passo por vez, uma coisa de cada vez, resolva cada etapa e vai indo, vai indo!
Entrevista realizada por Débora Muccillo. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.