Ensinamentos sobre o Dharma

Buda Shakyamuni tinha algumas formas de ensinar. As duas principais chamamos de Taiki Sepô e Shidai Sepo, o ensinamento por meio Taiki e Shidai. Taiki Sepô levava em consideração as condições da pessoa com a qual Buda falava, o seu conhecimento, a idade, a personalidade e todo o seu contexto. ”

 

Shidai Sepô era a maneira como Ele conduzia os ensinamentos, iniciando pela parte mais simples, mais fácil de compreender chegando até a mais difícil, mais complexa, gradualmente, como subir degraus. É uma forma que todos podem compreender, aos poucos. O Budismo é extremamente amplo e profundo e podemos aprender, por exemplo, pontos específicos que buscamos. Mas precisamos saber que o Dharma não é algo construído pelo Buda Shakyamuni.

Ele não criou o Dharma, mas se iluminou, despertou-se para essa realidade. Foi esse despertar que ele transmitiu às pessoas. Nós todos aqui estamos respirando, certo? Estamos inspirando oxigênio e expiramos gás carbônico, entendemos isso de maneira lógica. Contudo, mesmo que não entendamos, conseguimos manter nosso corpo em funcionamento, mesmo que não saibamos os por menores dessa ação. Para saciarmos nossa sede ou nossa fome, bebemos água, alimentamo-nos. Embora não saibamos os por menores lógicos sobre a absorção de nutrientes de alimentos, conseguimos sobreviver e alimentarmo-nos de forma adequada.

Não importa se percebamos ou não, estamos dentro do Dharma, estamos dentro da realidade, fazemos parte dela, existimos dessa maneira. Eu acredito que quando explicamos o Dharma, devemos fazer como Buda Shakyamuni, utilizando o Shidai Sepo e o Taiki Sepoa: a transmissão gradual do mais simples ao mais complexo, e o discurso apropriado a cada tipo de pessoa. Nós partimos do discurso mais diluído para o mais espesso, partimos do mais fácil para o mais difícil.

Aqui no Japão, onde temos um cenário cultural com o Budismo, histórias de Saiyuki e histórias antigas com influência Budista, sem darmo-nos conta, o Dharma vai adentrando em nossa mente, em nossos corpos, em nossa compreensão. Quando os laços são favoráveis, as pessoas aprofundam-se cada vez mais no Budismo, partem de um cenário dissolvido, mais raso, para um cenário mais profundo. As senhoras e os senhores tiveram os laços, os encontros favoráveis para que pudessem estudar o Dharma na América do Sul, e acho de extrema importância que todos nós possamos ampliar esses laços com o Budismo.

Eu tenho origem asiática, com as tradições e cultura daqui, e há cinco anos, por um breve momento, eu tive uma oportunidade de conhecer a América do Sul. Se compararmos o Budismo com as tradições cristãs, percebemos, que do ponto de vista budista, os deuses também tomam refúgio no Dharma. Como eu já mencionei, Buda Shakyamuni não criou o Dharma a partir da lógica, do raciocínio. Ele despertou para essa realidade.

O Budismo não carrega o discurso de que os deuses tenham definido a realidade ou criado o mundo, o real. Quando olhamos os deuses, eles estão num patamar tão distante que não conseguimos imaginar como é um deus, não chegamos ao patamar deles. Mas, mesmos que esses deuses sejam seres com capacidades extraordinárias, eles não conseguem escapar dos quatro sofrimentos que é nascer, envelhecer, adoecer e morrer. Quando jovem, na época da escola, eu tive a oportunidade de ter uma conversa sobre o Cristianismo e sua cultura. Os pontos mais interessantes dessa conversa foram justamente essa contraposição da visão de um deus que criou toda essa realidade, e a outra visão de que os deuses vivem dentro do Dharma.

A questão é que nós todos, percebamos ou não, vivemos no Buda-Dharma da realidade. Por exemplo, nesse espaço que estamos agora, mesmo que uma série de ondas de rádio e televisão estejam aqui nesse ambiente, não conseguiremos vê-las se não nos sintonizarmos de maneira apropriada. Sintonizar essa antena de maneira correta é o que podemos entender como shugyo, como prática. Desde o nosso nascimento, sentimos a necessidade de ajustar a nossa antena nessa sintonia de maneira adequada. Acabamos sentindo vontade, uma ânsia de poder estar de acordo com a prática do Buda-Dharma.

Se nós pensarmos “ah, se eu fizer dessa maneira, vai dar tudo certo! ”, essa é uma maneira muito simples de se pensar. Quando nós iniciamos a nossa prática, nosso shungyo, aos poucos vamos desenvolvendo-nos e evoluindo. A certo grau, se olharmos para trás, para o passado quando começamos e se retomarmos às práticas que fizemos anteriormente, elas não serão as mesmas, serão novas práticas. Por mais que retomemos práticas anteriores, elas serão diferentes, na verdade.

O shungyo não é uma questão de competição. Se existirem dez pessoas não haverá o primeiro, o segundo ou o terceiro colocado. A prática do Zen não pode ser feita apenas usando aquilo que temos interesse, ela não pode ser realizada ignorando aquilo que parece ser chato ou cansativo, aproximando-nos só daquilo que nós temos interesse. Se nós praticarmos o Budismo buscando apenas o que é de nosso interesse, vamos apenas fortificar nosso ego e os nossos apegos.

Se quisermos preencher uma peneira de água, como devemos fazer? Independentemente da quantidade de água que colocarmos na peneira, ela vai escorrer pelos buracos. Então, o que nós precisamos fazer é pegar a peneira e coloca-la inteira na bacia com água. É isso que devemos fazer em nossa prática. Nós devemos entregar nosso corpo e mente de maneira completa ao Buda-Dharma.

Vou falar mais um pouquinho sobre as palavras. Estamos vivendo nossas vidas por meio das palavras. Usamos as palavras para transmitir ideias para as pessoas, para tomar decisões em vários aspectos de nossa vida. Entretanto, uma coisa que precisamos saber é que, apesar das palavras serem extremamente importantes no nosso dia a dia, elas possuem limite e acabam nos limitando de certa forma.

Desta forma, penso na importância da sangha e o quão importante ela é em nossa prática; o ensinamento dá-se pela transmissão face a face. Nós transmitimos, praticamos uns com os outros e essa transmissão sobre passa as palavras.

Quando falamos, transmitimos o Dharma, podemos perceber os laços, as relações causais que nos unem. Podemos pensar em dois tipos de laços de relações causais: os que são bons e os que são ruins. Quando lidamos com os bons laços ou com as boas relações causais, devemos alonga-las e prolonga-las, fazer com que elas se desenvolvam. Quando encontramos laços desfavoráveis, ruins, podemos tentar transformá-los de alguma forma.

Existe uma palavra em japonês que é tenji tokuji que significa transformar a consciência mais primária, selvagem de desejos em sabedoria. Então, o importante é entendermos como transformar esta ignorância em sabedoria. O que devemos buscar é transformar todos em laços frutíferos, saudáveis e bons. Aceitar, concordar, realizar isso não é algo que possa ser ensinado, é algo que deve ser realizado por si mesmo. Então, quando fazemos uma pergunta, na realidade, dentro dessa pergunta já está a resposta. Nós, a sangha, devemos criar uma relação de apoio onde possamos questionar uns aos outros, e assim nos esforçarmos na prática do Dharma, expandimos os ensinamentos do Budismo.

 

Texto de Seino Choho Roshi. Diretor Geral da Missão do Budismo Soto Zen para a América do Sul. Trecho da palestra proferida em fevereiro de 2021.

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