Dukkha: A Primeira Nobre Verdade

 

Dukkha é a Primeira Nobre Verdade das Quatro Nobres Verdades, as quais estão no centro do ensinamento do Buddha.  Elas seriam; “a vida é sofrimento; a causa do sofrimento é o desejo; a cessação do sofrimento é ser livre do desejo; o modo de fazê-lo é o Caminho Óctuplo”.  A raiz de Dukkha é Duk, e significa “eixo”, referindo-se a um eixo de madeira unindo duas rodas de uma carroça, meio de transporte muito comum na época de Buddha.  A palavra Dukkha significa que o eixo está fora de prumo, fora de alinhamento. Buddha no seu discurso sobre as Nobres Verdades usa o exemplo da carroça, que tem seu eixo fora de alinhamento, como analogia ao desequilíbrio de nossas vidas, desequilíbrio esse que leva ao sofrimento.

Dukkha é uma forma de olhar o mundo, um estreitamento da visão.  É o sofrimento pela perda da capacidade natural de reconhecer a dimensão ilimitada do mundo diante de nossos olhos, ou ainda, é como paredes que nos isolam e conduzem-nos para uma realidade à parte. Dukkha está intimamente relacionado ao nosso karma e a forma cíclica que ele manifesta-se. No budismo, karma quer dizer ação, um tipo específico de ação que se repete indefinidamente. A repetição desse movimento de forma distraída e ininterrupta, movimentando nossa energia sempre em uma determinada direção, acaba criando fixações e formando estruturas aparentemente sólidas daquilo que podemos perceber como as formas cristalizadas que nos aprisionam.  A aflição gerada pelo contato direto e constante com essas estruturas mentais dá origem à dukkha; sofrimento involuntário de autodefesa de nossos estados confusos da mente, comparável ao ato involuntário de retirar a mão do fogo quando sentimos dor física. É pelo reconhecimento de dukkha que se torna possível a mudança desses comportamentos condicionados, da quebra das estruturas mentais fixas e da construção de um olhar aberto e flexível da realidade. Contudo, esse é apenas um aspecto de Dukkha, pois esses são os padrões habituais do ego.  Ao perceber os objetos externos como se fossem independentes de nossas estruturas mentais e para sustentá-los dessa forma, precisamos atribuir-lhes uma força, criando assim uma dinâmica de coexistência de ambos como se fossem separados.  Dessa forma, tanto da realidade aparente como do ego sustentam-se. É por meio de nossos esforços em seguir sempre em uma única direção, buscando alterar e controlar as condições externas a fim de livrarmos-nos do sofrimento em sua forma usual, sem reconhecê-lo como construído pela nossa própria mente que experienciamos  dukkha.  A Primeira Nobre Verdade veio chamar nossa atenção em como o ego perpetua o movimento de nossa energia e a sustenta para a manutenção dessas estruturas mentais e como o reconhecimento dessa Nobre Verdade, a verdade do sofrimento é o primeiro insight do praticante.  A determinação, coragem e clareza para ver a dor e o sofrimento de forma precisa e sutil é a única maneira de desconstruir seu poder de gerar-se infinitamente. Através de Dukkha a realidade samsárica impõe-se onde o sofrimento é real e direto.

Seja sutil ou grosseira, toda dor pode ser enquadrada em uma das oito categorias; nascimento, velhice, doença e morte, encontrar o que não é desejável, não ser capaz de manter o que é desejável, não conseguir o que se deseja e por fim, a última categoria, que é simplesmente chamada  de ansiedade geral. O nascimento é o primeiro sofrimento herdado do karma anterior, a primeira sujeição ao mundo, que consiste de calor, frio e todo o tipo de desconforto, todos os seres vivos estão sujeitos ao sofrimento causado pelo nascimento. Em sentido mais amplo, o nascimento está baseado em nossa resistência às mudanças, a relacionarmo-nos com as novas demandas que são feitas pelo mundo.  Por fim, o aspecto mais básico da natureza da mente, Buddha resumiu as coisas dizendo que há apenas surgimento e cessação tanto para sofrimento como para a felicidade; quando um cessar o outro nasce, assim ambos são dukkha.  A velhice é a segunda forma de sofrimento herdado, o sofrimento não apenas das limitações físicas que surgem, mas da experiência psicológica do processo de envelhecer. Perceber as coisas mudando lentamente em nossas vidas. Perceber a existência de uma narrativa temporal, de um o sofrimento que reside no passado e que é projetado no futuro; essa experiência é dukkha.  A doença é a terceira forma de sofrimento, é comum, tanto para velhos como para os jovens. Há todo tipo de doenças físicas ou psicológicas e o sofrimento dos desconfortos e obstáculos que se sobrepõe sobre nós por ela deixa-nos frágeis e vulneráveis. Por fim, o sofrimento da morte que está relacionado diretamente ao rompimento da identificação com o corpo.  Contudo, não nos separamos só do corpo, na morte abandonamos tudo o que desejamos, tudo a que atribuímos valor, todos os nossos apegos e, por fim, o medo da queda abrupta na morte.  Esses são os quatro sofrimentos herdados do karma anterior, além desses existe um segundo tipo de sofrimento.  Esse nível está ligado à nossa situação psicológica e associa-se ao período entre o nascimento e a morte.  Consiste em três categorias: encontrar-se com o que não é desejável; não ser capaz de conservar aquilo que é desejável; e não conseguir aquilo que se deseja.  Nunca estamos satisfeitos e sempre nos esforçando muito para fazer o melhor possível, não importa se somos espertos ou pouco inteligentes: as coisas não funcionam bem e isso é dukkha.  O sofrimento difuso é a última categoria, não é a pior, mas é a mais sutil.  É a sensação sutil de insatisfação e angústia geral que persiste o tempo todo _ completamente, o tempo todo.  Há uma sensação de peso, vazio e desventura que é eterna.  Não conseguimos relaxar sem referirmo-nos ao passado ou ao futuro, tentando ressignificar nossas experiências frustradas.

O sofrimento difuso tem como base o legado da neurose e está ligado ao constante movimento dos pensamentos vacilantes, aos apegos às situações e às mudanças constantes.

A Primeira Nobre Verdade ensina que a realidade é permeada pelo sofrimento, esse sofrimento é oriundo do estreitamento de nossa visão, de nossas fixações e de nossos esforços em manter e sustentar a dualidade do mundo das aparências e de nosso ego. Dukkha permeia todo o samsara; toda a linearidade de tempo e espaço na sua forma de passado, presente e futuro; todos os níveis e estados mentais representados nos seis reinos, todas as consciências e seus estados de prazer e felicidade ou de dor e sofrimento.  Meu ego por meio de minhas projeções mentais experimenta dukkha e de todos os seres ao meu redor e distantes. Enquanto houver karma a  Nobre Verdade permeará todo o nosso caminho no Samsara.

 

Texto de Danielle Kreling. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

 

 

 

 

 

Pin It on Pinterest

Share This