Neste mês de junho, dia 05, comemorou-se o Dia Mundial do Meio Ambiente. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) e definida para coincidir com a abertura do primeiro evento organizado de âmbito global para tratar de questões ambientais, conhecida como Conferência de Estocolmo ou Conferência Das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizado entre os dias 05 e 16 de junho de 1972.
A definição de uma data para trazer à consciência humana a necessidade da preservação do meio ambiente pode demonstrar, além de outros elementos, o grau de alienação da sociedade moderna atual, em relação ao meio em que vive e no qual interage. A percepção de que o ser humano não está isolado do meio ambiente, senão que dele convive e depende, é perceptível em diversos ensinamentos budistas, destacando-se aqui o conceito da interdependência. Nesse contexto, cabe a reflexão que se nós, enquanto sociedade, tivéssemos introjetado a noção da interdependência das coisas, considerada do ponto de vista budista, e a levássemos na percepção ambiental, provavelmente não estaríamos, nesse momento, enfrentando dificuldades ambientais graves como o aquecimento global e o iminente risco de escassez de recursos naturais valiosos, dentre outros graves problemas.
O termo “alienação” utilizado anteriormente pode parecer exagerado para um leitor distraído, porém, é cabível, quando analisamos a problemática ambiental na perspectiva budista. Os diversos esforços para conscientizar o ser humano para a preservação do meio ambiente, nas últimas décadas, transparece a falsa percepção que está presente nas mentes humanas nas questões relacionadas ao meio ambiente. Tal percepção concebe o ser humano como separado do meio ambiente natural, da fauna e da flora, propicia o uso predatório e insustentável dos recursos naturais. Nesse contexto, o conceito de preservação ambiental estaria atrelado a ideia de manutenção, preservação e conservação da fauna e da flora e, raramente, envolveria a percepção de um meio ambiente mais amplo, necessariamente equilibrado, para a própria sobrevivência humana, já que o homem não apenas faz uso dos recursos ambientais como deles depende e se relaciona diretamente.
Por outro lado, o ensinamento budista da interdependência dos fenômenos, assim como do ser humano com seu ambiente natural, traz à luz a percepção de que preservar e cuidar do meio ambiente é cuidar de nós mesmos. Dalai Lama, em seu livro Uma ética para o Novo Milênio, apresenta no capítulo intitulado de “A Origem Dependente e a Natureza da Realidade”, uma interessante visão sobre a percepção correta dos fenômenos e a origem dependente das coisas, em suas palavras, “[…] a interdependência pode ser compreendida em termos da mútua dependência que existe entre as partes e o todo. Sem as partes, não pode haver o todo e, sem o todo, o conceito de parte não tem sentido.” (Dalai Lama, 2000).
Desse modo, nessa visão, o ser humano seria considerado uma parte de um todo, uma parte do meio ambiente natural do qual está intrinsicamente vinculado e totalmente dependente. Assim, falar em preservação do meio ambiente não faz sentido, tendo em vista de que somos apenas uma parte de um todo, formado por diversas outras partes. Talvez devêssemos considerar preservar a nossa existência dentro desse todo.
O mestre Thich Nhat Hanh, em seu livro intitulado O Coração da Compreensão: Comentários ao Sutra do Coração, apresenta outro bonito termo para o mesmo conceito de interdependência, o “interser”. No livro ele diz: “Se você for um poeta, verá claramente que há uma nuvem flutuando nesta folha de papel. Sem uma nuvem, não haverá chuva; sem chuva, as árvores não podem crescer e, sem árvores, não podemos fazer papel. A nuvem é essencial para que o papel exista. Se ela não estiver aqui, a folha de papel também não pode estar aqui. Logo, nós podemos dizer que a nuvem e o papel ‘intersão’. ‘Interser’ é uma palavra que não está no dicionário ainda, mas se combinarmos o prefixo ‘inter’ com o verbo ‘ser’, teremos este novo verbo ‘interser’. Sem uma nuvem, não podemos ter papel, assim podemos afirmar que a nuvem e a folha de papel ‘intersão’. ” (Thich Nhat Hanh, 2000).
Finalmente, ressalta-se que o objetivo não é invalidar os importantes esforços para a preservação do meio ambiente, mas simplesmente trazer a reflexão sobre o quanto estamos iludidos sobre a necessidade que temos de uma relação mais sustentável, que considere a verdadeira interdependência de todas as coisas. Assim, que não apenas no dia 05 de junho, mas que cotidianamente possamos nos recordar que “intersomos” com o todo e com o meio ambiente que nos cerca, para que desse modo possamos ter uma verdadeira atitude sustentável com o meio ambiente.
Texto de Liana Oliveira Lopes Borges. Auditora Fiscal do Meio Ambiente. Praticante na Daissen. Escola Soto Zen.
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