No mês de novembro, entre os dias 1 e 12, ocorre a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 26), na cidade de Glasgow, Escócia. O evento conta com a participação de 200 países que apresentam seus planos de cortes de emissão de combustíveis fósseis até 2030. Sabemos que os impactos provocados pelas mudanças climáticas atingem a todos os países, sendo assim, as ações que devem ser tomadas para minimizar esses impactos devem ser analisadas em âmbito global.
Assim, considerando a importância desse evento, foi realizado no dia 04 de outubro de 2021 o encontro intitulado “Fé e Ciência: rumo à COP26” com a participação de diversos líderes religiosos, inclusive budistas, que entregaram um apelo, preparado a meses, ao presidente da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, Alok Kumar Sharma. O documento pede atenção dos líderes mundiais a respeito das mudanças climáticas e destaca a responsabilidade de todos no cuidado do planeta.
Entre as intervenções realizadas no evento, se destaca a do diretor de gabinete europeu da escola Soto Zen Budista, Shoten Mineghisi, que disse: “profundamente consciente do fato de que tudo está interligado: se fizermos ações concretas em nosso cotidiano, o mundo inteiro pode mudar”. Ressaltou ainda a importância de uma vida simples, dizendo que a verdadeira riqueza da vida “não é material, mas espiritual, para chegar a uma perspectiva de vida em harmonia com todos os seres vivos”.
Diversos líderes budistas já participaram de eventos similares. No ano de 2015 representantes budistas, inclusive Dalai Lama, Thich Nhat Hanh, Karmapa se reuniram e escreveram a “Declaração budista sobre a mudança climática aos líderes do mundo” como contribuição para a COP21 ocorrida em Paris nos meses de novembro e dezembro daquele ano. Essa foi uma ação resultante da formação do Coletivo Budista Mundial contra as Mudanças Climáticas (GBCCC). Nesse documento destacou-se o ensinamento budista da interdependência e nossa autorresponsabilidade. “Entender esse nexo de causalidade interdependente e as consequências de nossas ações é fundamental para reduzir o nosso impacto no meio ambiente”, escreveram.
Apesar de todos os esforços realizados nesse encontro em 2015, a queima de combustíveis fósseis e todos os eventos decorrentes de uma grande falta de consciência para com o meio ambiente, mostraram o quanto esse objetivo ficou longe de ser alcançado. Infelizmente, diversos eventos extremos ocorreram desde então e enfrentar as consequências de nossas ações tornou-se primordial. Este novo encontro trará novas possibilidades e perspectivas para o futuro do planeta, e a visão budista neste âmbito, que já se mostrou essencial nesse processo, faz-se necessária mais uma vez.
Quando se fala em interdependência é necessário ter a perspectiva de que fazemos parte de um todo, e que todos os organismos estão de alguma forma conectados. Para entendermos isso em profundidade basta começarmos a compreensão de uma visão micro para uma visão macro. Para uma perspectiva inicial, é só observarmos nosso dia a dia em relação as nossas atividades como se alimentar, trabalhar, se locomover, entre outras. Em todas as atividades que realizamos é necessária a ação de outras pessoas, como a água limpa que bebemos, o alimento que temos na mesa todos os dias e tudo que compramos a fim de facilitar nossas atividades. Isto é processo de inúmeros esforços de indivíduos que trabalharam para isso. Indo além, somos parte da natureza, não somos melhores nem separados das outras espécies de animais, muito menos dos vegetais. Cada um com seu papel fundamental, que em equilíbrio mantém o planeta e seus ecossistemas em uma harmonia muitas vezes complexa para o nosso entendimento. Nosso papel como seres conscientes de nossas ações, seria enxergar esse todo e a importância da preservação da natureza e minimização de nossas ações degradantes aos ecossistemas.
Uma visão unilateral dos fatos, como ter a ideia de que a preservação de florestas dificultaria o desenvolvimento de um país, pode nos levar rapidamente a um pensamento de que não há relação alguma entre nós e outras espécies. Ainda ressaltando a importância de se observar o todo, temos inúmeras espécies de insetos e pássaros que agem como agentes polinizadores e mantem a diversidade e propagação de diversos vegetais, sendo muitos destes importantes para o consumo humano direta ou indiretamente.
Muitos “sintomas” já são observados como incêndios “naturais”, secas, poluição do ar e rios, pesca excessiva, não diminuição da emissão de gases estufa, degradação de áreas verdes para o desenvolvimento de monoculturas e gado, entre outros. Nosso planeta está sofrendo com todas nossas ações e isso afeta a todos os organismos aqui. Precisamos dos seres que nos ajudam a manter o oxigênio na atmosfera, em outras palavras, precisamos das células vegetais. Precisamos de outros organismos para manter estes vegetais, para tal, não podemos destruir seu habitat nem seus agentes polinizadores. Não podemos continuar com a pesca excessiva eliminando as chances de reestabelecimento de equilíbrio da cadeia trófica, que, inclusive, inclui diversas espécies do fitoplâncton, que são importantíssimos para alimentação de diversos peixes e também para fornecimento de oxigênio. Podemos mudar também a forma como utilizamos os combustíveis fosseis a fim de minimizar os efeitos dos gases estufa. Deste modo, o olhar budista da interdependência nos dá essa perspectiva maior de que nossas ações podem mudar nosso meio em que vivemos e que em conjunto podemos mudar a atual situação.
Por fim, cabe refletirmos que o encontro realizado esse ano com diversos líderes religiosos e com a participação de cientistas ganha destaque, porque busca um esforço coletivo que independe de credo e de ideologias, no sentido de sensibilizar os líderes da necessidade de mudanças de nossas ações para enfrentar a atual crise ecológica e climática. Abaixo segue a conclusão do apelo escrito pelo encontro Fé e Ciência rumo a COP26.
“Em uma época repleta de divisão e desespero, olhamos com esperança e unidade para o futuro. Procuramos servir as pessoas do mundo, particularmente os pobres e as gerações futuras, encorajando uma visão profética e uma ação criativa, respeitosa e corajosa pelo bem da Terra, nossa casa comum”.
Texto de Liana Oliveira Lopes Borges, auditora Fiscal do Meio Ambiente, e Mariana Belchor Doutora em Biologia e Professora de Fisiologia. Praticantes na Daissen Ji. Escola Soto Zen
Fonte:
https://www.bbc.com/portuguese/geral-58924904
https://www.cnbb.org.br/fe-ciencia-apelo-cop26-cuidado-planeta/
https://www.lionsroar.com/15-buddhist-leaders-pen-climate-change-statement-to-world-leaders/
https://sobrebudismo.com.br/165-interdependencia-o-ensinamento-central-do-buda/
https://www.daissen.org.br/originacao-dependente-interdependencia/
https://wribrasil.org.br/pt/blog/clima/ipcc-relatorio-mudancas-climaticas-2021