Há muitos anos atrás, uma amiga preciosa estava iniciando um namoro com um belo rapaz e, na paixão de início de namoro, ela buscava atender a todos os seus convites, afinal era uma forma de estarem juntos. Pois bem, esse rapaz era budista e frequentava a Daissen e a convidou para uma prática de zazen. Contudo, ela não tinha ideia do que seria esse tal de zazen, me convidou para ir junto, eu aceitei.
Ao me lembrar dá uma vontade de rir! Nos arrumamos toda, com sapato de salto, cabelo escovado, maquiagem e um monte de bijuterias e, fomos…
Chegando na Sangha, e… “Podem deixar os sapatos aqui”! Estranho isso! Não seria algo tipo uma festa? Foi a nossa comunicação visual.
Fomos convidadas a entrar no zendô. Lembro que tinha uma moça já em zazen e de fato achei esquisito. “Tudo bem, isso tudo é por minha amiga, deve ser uma coisa rápida”! Pensei. “Isso é um zafu e se senta assim.”. Foi então que a casa caiu… nós estávamos com umas calças vestidas à vácuo, imaginem o sofrimento de sentar! Mas, em seiza sob o zafu, deu para se ajeitar, ainda que desconfortavelmente. Ele nos orientou e disse: “são 40 minutos nessa posição e tentem ficar presente no aqui”. Minha mente me informou: “40 minutos deve passa bem rapidinho, sentada eu posso ficar até o dia inteiro”. Inocente!
O mopan foi batido e o sino de início de zazen. Eu realmente não entendo porque achamos tão, mais tão engraçado esses sinos! Estávamos sentadas lado a lado, e nós olhávamos de canto de olho, uma mais roxa que a outro de tanto segurar a risada. Que vergonha!!!
Tocam o taiko, o mopan … recitações e, levantam-se todos. Não contamos até 1, e já nós direcionamos para a porta de saída, quando o Jisha, amorosamente, piedosamente nos mandou voltar e observar os demais. Isso que já tínhamos passado em frente ao Sensei, sem nenhuma preocupação.
Voltamos e aguardamos, agora bem envergonhadas. Naquele dia tinha cerimônia – Chôka. Quando começamos a ler aquele monte de letras que não tínhamos ideia do que ser referia, que idioma estava, novamente acesso de riso. Resumindo, poderia ter levado uns 10 pontos dentro da boca pelos cortes causado ao tentar não rir.
Acabou-se tudo, tomamos chá, ouvimos o Sensei, que entrou num ouvido e saiu pelo outro. Fomos embora, com nossos sapatos de salto alto direto para um bar, tomar uma cerveja. Era verão, calor, sede, nada na cabeça.
Minha mente por certo era um lodo, mas de alguma forma uma semente caiu lá dentro, naquele dia tão engraçado.
Passaram-se mais bastante tempo e um dia, na casa dessa mesma amiga, que já não estava mais com o rapaz da sangha, e que agora morava bem pertinho da sangha, no meio da bagunça de uma festa vulgar, minha amiga viu um grupo de pessoas da sangha, com seus samuês e materiais de prática (acho que estavam voltando de um Sesshin) e me disse: “Gra, olha os budistas”! Naquele exato momento a semente germinou, e uma vontade imensa de ser um deles me arrebatou. Isso era um domingo.
Na quarta-feira da semana seguinte eu fui, na prática para iniciantes. Cheguei constrangida. Já tinha esquecido das instruções recebidas e a doce Dainin-san me acolheu, me ensinou a sentar. A forma que Dainin-san me acolheu fez muita diferença para voltar à sangha.
Depois desse dia então eu ficava contanto os minutos para que chegasse outro dia de prática. Eu não tinha um objetivo a buscar, eu só queira estar lá. Sentir aqueles cheiros do incenso, do chá, ouvir aqueles sinos que agora soavam diferentes, sentir os pés adormecerem, a coluna doer intensamente até o final do zazen. E ainda, como uma bênção extraordinária, eu tinha a oportunidade de estar junto com o Sensei, ouvir seus ensinamentos, levar broncas, pedir desculpas, rir, muitas vezes às gargalhadas com ele, se emocionar e às vezes também chorar juntos.
E nesses anos, por tudo que eu encontrava na sangha, eu fui me envolvendo também com as atividades administrativas da comunidade, função que me dá tanto contentamento quanto ouvir um ensinamento, porque aprendi com Sensei que a prática é aqui fora também. Foram anos maravilhosos! Conheci tantas pessoas mais que adoráveis, como Saikawa Roshi (mestre de nosso Sensei) e encontrei minha Kalyanamitra – Suuen-san.
E assim passaram-se anos e chego ao ano 2022 num estado de contentamento tranquilo. Tenho enfrentado alguns desafios existenciais que às vezes me desestabilizam (velhice e doença), mas segura do Caminho, tomo refúgio no Buddha, no Dharma e na Sangha e tudo se torna mais leve.
Imensamente grata!
Depoimento de Graziela Gendô. Praticante e Presidenta da Comunidade Daissen Ji. Escola Soto Zen