As Pessoas Pensam que Budismo É Ser Feliz

“Calma, você é budista”, já me disseram, ao verem-me perder a paciência. Nas redes sociais, postam-se imagens do Buda e escrevem:  “Gratidão por todas as coisas”. Isso, quando não lhe atribuem alguma frase motivacional barata, das quais ele nunca disse.

Por alguma razão, o entendimento popular do budismo traduziu-se numa “falsa” sensação de imediato pertencimento com todas as coisas, eventos e pessoas. O sofrimento, em tese, deixa de existir: as pessoas são todas agradáveis; é uma delícia estar doente; eu adoro cortar cana ao meio-dia! É como se estivéssemos proibidos de sofrer ou infligir sofrimento, sob pena de não sermos tão “evoluídos” assim.

Na verdade, uma das primeiras coisas que Sidarta Gautama disse foi algo como “existe o sofrimento”. E, depois, “o sofrimento existe dentro de determinada lógica”. Portanto, precisamos em primeiro lugar entender que é impossível ser completamente feliz através da perspectiva que, comumente, desenvolvemos em relação ao mundo à nossa volta. Não tem nada a ver com se tornar feliz, pelo contrário: tem a ver com entender que o sofrimento está presente e que é preciso trabalhar a compreensão que temos sobre ele. Começamos pelo entendimento de que há um desajuste e que sua correção não vem pela negação.

É um entendimento muito mais razoável, portanto, o de que devemos amadurecer. Para além do budismo, inclusive, amadurecer passa por não negar o sofrimento e nossas falhas. Num prisma budista, significa reconhecer que estamos condicionados ao karma. O próprio mito do Buda menciona ele se defrontando com o karma, em sua forma agradável e desagradável, as filhas de Mara.

Adotar o dogma de que tudo é maravilhoso é tão equivocado quanto dizer que tudo é terrível. Se insistimos em enquadrar tudo numa moldura de perfeição, não estamos fazendo nada além de produzir karma. “Perfeição” também é karma.

Ensinam-nos que “forma é vazio, vazio é forma”. E, ao ouvirmos isso, ingenuamente, queremos pular a etapa onde forma é forma, chegando ao vazio. Olhamos para nosso sofrimento e não o aceitamos. Queremos nos afastar dele, como quem parte de um local desagradável e chega noutro maravilhoso. Buscamos o que vem a ser tal vazio separadamente da nossa forma, como sendo coisas distintas. Criamos uma distinção que, além de ilusória, nos torna hipócritas, já que passamos a viver em negação. O sofrimento se senta conosco, mas negamos sua presença. Por isso é tão importante aceitar as coisas como se apresentam aqui e agora. Eis nossa condição: sofremos, erramos, temos ignorância. Sejamos sinceros com ela. Vamos, a partir disso, começar nossa caminhada.

Suzuki Roshi ensinara: “No budismo, esperar algo fora deste mundo é um ponto de vista herético. Não buscamos nada fora de nós mesmos. Devemos encontrar a verdade nesse mundo, através de nossas dificuldades, de nosso sofrimento. Esse é o ensinamento básico do budismo. O prazer não é diferente da dificuldade. Bom não é diferente de mau. Bom é mau; mau é bom. São dois lados da mesma moeda”

Texto de Rodolfo Focchi. Praticante no Templo Daijizendo. Escola Soto Zen.

 

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