Anatta – Não Eu

Geralmente crescemos acreditando que somos diferentes uns dos outros, que somos únicos, especiais, que temos uma identidade intrínseca, acreditando ou não em uma alma que seja permanente e transpasse nosso “eu” para outra vida, agarramo-nos à ideia do “eu sou” e ao longo da vida vamos agregando aspectos a essa identidade.

Moldamos um “eu” próprio para destacarmo-nos em meio à sociedade, mesmo que esse “eu funcional” seja necessário à nossa vida cotidiana, nosso egocentrismo reforça a fantasia de que temos algo em nós que nos difere, que nos transforma em quem somos. Passamos a vida acumulando experiências, gostos pessoais, opiniões, ideologias; iludindo-nos que essas coisas nos definem, e distanciamo-nos daquilo que consideramos ser diferente da nossa identidade. Agregamos tantos valores em nossas diferenças que nos esquecemos das nossas semelhanças, com isso, adaptamo-nos a um “eu individual e único” e prendemo-nos a ele.

Nossas experiências fazem parte da nossa construção como pessoas, bem como nosso convívio social, familiar, mas não transformam nosso “eu” em algo perene, inerente, são apenas partes que voam em torno do eixo do furacão, contudo, nossa ilusão de um “eu” individual aprisiona-nos em nosso universo particular e cega-nos para o fato de sermos fenômenos do grande universo do qual estamos integrados.

Para existirmos, tal qual somos, são necessários diversos fatores, como a existência dos nossos pais, já que se eles fossem outras pessoas também seríamos outras pessoas, para que a existência humana seja viável é imprescindível que haja oxigênio, plantas, água, alimento, Planeta Terra, os fenômenos que possibilitaram o desenvolvimento de vida na Terra, as supernovas que forjaram os elementos pesados, como carbono e ferro e que são essenciais à vida, foi necessário a morte de estrelas imensas, da expansão do universo, do Big Bang em si. Também devemos nos lembrar dos 10 trilhões de células que formam nosso corpo, dos os 92 elementos químicos da cadeia atômica que foram forjados no calor das estrelas. Vale lembrar da citação de Lavoisier “Na natureza nada se perde, tudo se transforma”, assim, somos transformações do universo, uma continuidade de fenômenos.

Com isso, como podemos pensar que somos únicos, especiais, individuais com uma identidade inerente, se tudo que compõe nosso corpo faz parte do universo e quando morrermos nossos elementos físicos voltarão a integrar o universo. Como podemos pensar que somos diferentes uns dos outros se fazemos parte do mesmo “oceano cósmico”.

Tudo que agregamos durante a vida e acreditamos, fantasiosamente, que seja nossa identidade pode ser tirado de nós com uma amnésia, por exemplo.

Nesse sentido, somos vazios de um “eu” perpétuo, não temos uma identidade que vencerá a morte surgindo em outra vida, uma vez que no momento de nossa morte nossa identidade morrerá junto com nossa atividade cerebral. Os elementos químicos do nosso corpo físico serão reintegrados ao universo e se transformarão em outros elementos químicos, nossas manifestações kármicas gerarão outra identidade e a vida seguirá seu fluxo.

Sendo assim, não vamos e nem viemos, sempre estivemos aqui, pois somos todo o universo.

Texto de Débora Muccillo. Praticante na Daissen – Escola Soto Zen.

 

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