Entrevista com Monge Joken – Parte 2
Nesta edição daremos continuidade à conversa com o jovem monge Giuliano Jôken, da Soto Shu Sogo Kenkyu Center (Centro de pesquisas e estudos da Soto Shu), que nos conta um pouco sobre os hábitos alimentares dos diferentes mosteiros no Japão e as mudanças ocorridas com a pandemia.
Nessa pandemia, o que que mudou na alimentação? Vocês tiveram que fazer adaptações? Como foi?
Monge Jôken: Quando a pandemia começou a ficar séria aqui no Japão, coincidiu com a época em que eu estava terminando meu treinamento em Sojiji. Por isso, acabei não presenciando muitas alterações enquanto eu ainda estava no mosteiro. Quando a situação passou a ser preocupante por aqui, a primeira alteração (além do uso constante da máscara) foi a medição diária da temperatura de todas as pessoas que trabalhavam na cozinha. Afinal, em uma vida comunitária como a do mosteiro, todo cuidado é pouco em situações como essa. Em anos anteriores já tivemos problemas com influenza e gripe, por exemplo.
Outra alteração que posso citar, foi a inclusão da proteína animal em alguns dias da semana durante a janta. Isso foi decidido pelos superiores do mosteiro para que, de alguma maneira, pudesse ajudar com a nutrição e contribuir para aumentar a imunidade dos monges em treinamento, mantendo o corpo o mais saudável possível.
Antes do início da pandemia, só comíamos proteína animal quando recebíamos alguma doação.
Muitos monges veteranos que iam para Sojiji realizar a cerimônia de zuisse (que finaliza o processo de formação), em retribuição por todo o período que estiveram em treinamento, realizavam uma doação para a cozinha, diretamente ao tenzo (responsável pela cozinha), para oferecer algo diferente para todos, como hambúrguer ou qualquer outra refeição do tipo.
Lembro-me de uma ocasião, muito antes da pandemia, em que um dos monges que veio participar de uma grande cerimônia, realizou uma doação de cem hambúrgueres do McDonald’s para todos os monges em treinamento de primeiro ano! Fizeram a festa!
Sojiji, por ser um dos mosteiros matriz da nossa tradição, é naturalmente bastante rígido, e por isso todos os aspectos da vida cotidiana são extremamente regrados. É muito difícil comer qualquer alimento diferente daquele que é preparado no mosteiro. Essa rigidez no treinamento pode ser vista no próprio corpo. Tenho um amigo que entrou para o treinamento no mesmo período que eu e que, apenas nos três primeiros meses, perdeu mais de vinte quilos.
De maneira geral, dormimos pouco, temos uma dieta rica em carboidratos e fibras, além de todo o stress das atividades cotidianas. É muito trabalho físico, que dentro desse ritmo e com essa alimentação regrada, nos faz perder peso com facilidade.
Monge Giuliano Joken
Os hábitos alimentares nos mosteiros japoneses? Mudam muito de acordo com as estações do ano?
Monge Jôken: O Japão tem as quatro estações muito bem definidas e, desde a antiguidade, é este ritmo das estações que dita as atividades de cada período do ano. Por exemplo, agora em março, começa a florada da cerejeira e logo depois inicia o período das chuvas. E para cada um destes períodos, utilizamos os vegetais e demais ingredientes que são naturalmente abundantes.
Inclusive, expressar cada uma das estações do ano por meio dos ingredientes é uma das principais características da culinária japonesa. Da mesma forma, a composição do cardápio do mosteiro acompanha este mesmo ritmo.
Um exemplo é o broto de bambu (take no ko), que é extremamente abundante durante a primavera e pode ser preparado de várias formas diferentes, desde tempurá até como ingredientes para a sopa de missô (missoshiru).
Durante um período de seis meses, tive a oportunidade de praticar em um pequeno templo vinculado ao mosteiro de Sojiji na região de Kamakura, na província de Kanagawa. No terreno deste templo havia um bambuzal enorme, de onde chegamos a colher mais de quarenta take no ko para enviar ao mosteiro matriz!
O senhor consegue comer algo da comida típica brasileira aí no Japão?
Monge Jôken: Quando eu estava no mosteiro, era praticamente impossível, não é?
Era muito difícil ter acesso a qualquer alimento diferente daquele que era preparado na cozinha do mosteiro. Porém, tenho um amigo monge (que inclusive já foi para o Brasil algumas vezes) que vez ou outra nos trazia presentes de lojas especializadas em produtos brasileiros, como guaraná ou pão de queijo!
Atualmente, como já não estou mais em treinamento no mosteiro, tenho a possibilidade de me locomover de maneira mais livre. Agora é possível, por exemplo, comprar feijão brasileiro nessas lojas especializadas e cozinhar em uma panela de pressão elétrica!
Na província de Shizuoka, onde estou agora, existe uma comunidade brasileira muito grande, por isso conseguimos encontrar produtos do Brasil com certa facilidade. É possível encontrar desde bombom de chocolate com coco até feijão brasileiro!
Texto de Elaine Kôhô光法 . Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.