Nesta edição iremos apresentar peculiaridades da alimentação em mosteiros e templos Zen Budistas. Para isso, nossa entrevistada irá compartilhar conosco suas experiências dos tempos em que viveu no Japão. Sob a ótica monástica, poderemos conhecer as características da cozinha nos monastérios.
Monja Shinpō Sodō, aluna de Genshō Sensei desde 2002 e Monja da Comunidade Daissen desde 2010, fez seu treinamento monástico no Mosteiro de Kasuisai, em Shizuoka Ken, no Japão, entre os anos de 2015 e 2016.
Elaine Kôhô: Como é a comida de templo?
Monja Sodō: A alimentação varia muito de templo a templo. Vão de acordo com as condições econômicas de cada local e das doações que recebem da comunidade. Ao receber doação, devemos aceitar com muita gratidão e humildade, sem julgar o que foi doado, pois sem dúvida é o melhor que a outra pessoa pode nos dar.
As doações, que são a primeira Paramita dos Budistas, são deixadas em frente ao altar de Idatem. Em Kasuisai esse altar fica em frente a uma entrada lateral, onde as pessoas podem deixar suas doações e onde realizamos uma cerimônia todos os dias pela manhã. Em outros templos ou mosteiros se encontra na cozinha. Se diz que essa deidade corre por toda a terra em busca de alimentos para os monges. Ela representa o esforço para conseguir alimentar os futuros Budas.
Em Kasuisai, a comida é abundante e um pouco variada em relação a outros templos, onde a alimentação é mais simples e escassa. A comida é basicamente vegana em todos eles, porém em muitas ocasiões tínhamos alimentação de origem animal à noite. O que percebi é que a alimentação segue de acordo com a estação e o clima, usando produtos da época. Suponho que mais em conta e fácil de obter, por também depender das doações recebidas.
Elaine Kôhô: O que se come nos mosteiros?
Monja Sodō: Bem, em Kasuisai, no desjejum, geralmente é o Okayo, que é uma papa de arroz sem tempero, feito com água em abundância e mexendo muitas vezes, alguns grãos de soja em conserva, um tipo de alga e ameixa salgada em conserva, nabo e gersal. Esses acompanhamentos são distribuídos de forma bem reduzida.
No almoço, todos os dias tem o Gohan, que é o arroz branco sem tempero, somente cozido; Missoshiro que é uma espécie de caldo, que pode ter um ou dois ingredientes ou muitos. Em Kasuisai esse caldo era muito completo, com variedade de legumes, cogumelos, às vezes, tofu (queijo de soja), totalmente vegano. Tínhamos ainda o tempurá de legumes como: berinjela, couve-flor, abóbora e cogumelos.
A noite era o que sobrou do almoço e poderia ter algum tipo de carne, porém as porções destas eram bem menores que usualmente se come aqui no Brasil.
Elaine Kôhô: Há um ritual para se fazer os alimentos? Qual é a rotina da alimentação?
Monja Sodō: As refeições nos templos e mosteiros são geralmente com oryoki, porém a rotina depende de cada templo e das atividades do dia.
Em Kasuisai, na refeição da manhã se come com ōryōki. Geralmente era uma forma simplificada dōryōki, onde as tigelas já estavam abertas e a papa de arroz era servida antes de chegarmos, isso era para ser mais ágil, pois se tem muitas atividades durante o dia. Porém todos os meses se faz o ōryōki completo.
No almoço e jantar a refeição era livre, ou seja, cada um chegava, se servia, fazia uma recitação, comia, fazia outra recitação, limpava a mesa e lavava suas tigelas. Em algumas ocasiões era ōryōki completo, porém mais raras, basicamente em sesshin ou treinamentos especiais. A cada horário de refeição os monges em treinamento vão ao local das refeições imediatamente após serem liberados; os mais graduados e os funcionários leigos vão quando podem, devido as suas diversas atividades, porém sempre dentro do horário da refeição.
Elaine Kôhô: A comida dos monastérios no ocidente segue as mesmas regras? Se come as mesmas coisas?
Monja Sodō: As regras são basicamente as mesmas. Geralmente ōryōki na refeição da manhã e do meio-dia e a noite uma refeição leve e breve, semiformal.
A alimentação varia muito. Em alguns lugares, seguem a alimentação tradicional japonesa, em outros preferem uma refeição com produtos locais.
Na Daissen procuramos ter uma alimentação vegana, com produtos da época e os mais em conta, procurando seguir a essência da cozinha Zen.
Elaine Kôhô: Como se chama a cozinha e o cozinheiro?
Monja Sodō: O cozinheiro no Zen se chama tenzo e a cozinha no mosteiro se chama tenzory, ou seja, o lugar, a habitação do tenzo.
Elaine Kôhô: Qual a comida principal e indispensável nos mosteiros zen budistas?
Monja Sodō: Tradicionalmente o arroz, ou seja, o gohan e o chá verde. Creio que por sua simplicidade no sabor, na textura, sendo um alimento popular e nutritivo. O arroz nos remete aquela forma tradicional de plantar e colher, onde as pessoas com seus pés na água plantam uma a uma as mudas, as cuidam, depois colhem e se alimentam dela. Um ciclo completo. Também lembram a comunidade budista, onde todos dependemos um dos outros para poder, em harmonia, “plantar”, “cultivar” e “colher” o Dharma. Nosso Rakusu, ou seja, o pequeno manto que leigos e monges usam, tem a forma de um campo de arroz.
O chá verde nos mantém acordados, atentos, presentes, como deve ser a prática contínua de um praticante Zen para despertar das ilusões.
Elaine Kôhô: Qual deve ser a atitude de quem cozinha?
Monja Sodō: A atividade na cozinha é muito intensa e contínua, onde se precisa dar ordens e ensinar falando o mínimo possível. Então o tenzo precisa ser uma pessoa muito experiente na prática. Levar o zazen às atividades do dia-a-dia, que nesse caso são as atividades da cozinha. A cozinha deve estar sempre organizada, limpa e em silêncio. Lembro que em uma oportunidade estava ajudando na cozinha e o tenzo veio até mim com uma bandeja de shimeji, o colocou em um recipiente com água e separou alguns talos, olhou para mim e simplesmente passou o recipiente, sem dizer nada. Aquilo foi maravilhoso, a experiência direta, somente isso. Sem cogitações, sem questionamentos, simplesmente sendo.
Entrevista realizada por Elaine Kôho. Praticante da Daissen Ji. Escola Soto Zen.
Idealização e roteiro elaborados pela equipe da coluna Alimentação.
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