A Vida Não É Útil

 

A obra A Vida Não é Útil apenas pelo seu título já apresenta uma instigante reflexão sobre como temos nos relacionado com a vida. Ailton Krenak, líder indígena e um dos maiores pensadores da atualidade, nos conduz por cinco textos a repensar as bases da civilização ocidental, abordando por uma ótica ambiental temas como economia, sustentabilidade e pandemia do Coronavírus. Tendo como referência a vivência dos povos indígenas, em íntima relação com o meio natural, não surpreende que suas reflexões vão ao encontro de diversos ensinamentos budistas.

A obra contempla os textos “Não se come dinheiro”, “Sonho para adiar o fim do mundo”, “A máquina de fazer coisas”, “O amanhã não está a venda” e “A vida não é útil” selecionados de palestras e lives ocorridas entre os anos de 2017 e 2020. Todos eles são reflexões provocativas e instigantes.

Um dos pontos mais criticados por Ailton é a dependência que as sociedades desenvolveram do sistema econômico capitalista e aos entes do mercado, como a bolsa de valores. O autor usa do sarcasmo, da poesia e de uma sensibilidade possível somente para aqueles que puderem experimentar ou realmente vivenciar uma outra relação com o mundo e com as pessoas para demonstrar a fragilidade das sociedades de mercado. Em contrapartida o autor apresenta uma cosmovisão relacionada com a Terra e todas as demais formas de vida.

Dentro da perspectiva ambiental, Krenak vai além dos discursos a respeito do meio ambiente como recurso natural e questiona até mesmo a ideia de sustentabilidade, dizendo que estamos nos enganando ao acreditar que é possível continuar o consumo tal qual nos acostumamos, nessa relação de “comer” a terra. Ele aponta então um outro caminho, que envolve uma visão mais consciente com a realidade e com os outros seres.

Muito do conteúdo explorado na obra está contextualizado no período de isolamento social imposto pela Pandemia do Coronavírus. É possível, pelo contato com as reflexões do livro, compreender que passamos recentemente por um período com potencial de nos transformar radicalmente. Assim, é um momento propício para lidarmos com as questões trazidas por Ailton Krenak para que possamos, a partir da transformação individual, alterar nossa maneira de agir no mundo e na ordem do coletivo.

Nesse sentido, para quem se interessa por questões ambientais e Budismo, o livro e as ideias de Krenak tem muito a acrescentar. Em diversas passagens o autor apresenta conceitos trabalhados também na filosofia budista como a interconexão com todos os seres, com o planeta, a interdependência, a necessidade de estarmos em plena atenção no que fazemos, em contraponto com a dinâmica acelerada e frequentemente alienada na vida das pessoas da cidade.

Como membro do povo indígena Krenak, que vive em uma região profundamente afetada pela atividade de mineração, é possível observar a resistência de Ailton e a insistência em divulgar uma experiência profunda de vínculo com a natureza. Para mim, que cresci em um grande centro urbano, com pouquíssimo contato com o ambiente natural, só foi possível compreender, em partes, a profundidade das reflexões apresentados pelo livro pelas práticas de meditação budistas.

Há uma passagem específica em que Krenak usa a palavra “sentir”. Acredito que essa seja a verdadeira maneira de experenciar a vida e a natureza, sentindo. Como o autor, eu respeito a história e a caminhada de cada um. Porém, quando pudermos (não do ponto de vista utilitário, econômico ou intelectual) voltar a nos envolver com a natureza, aí sim poderemos realmente fazer algo para modificar nossa trajetória predatória por aqui. Pois, como dito no livro, “para além da ideia de eu sou a natureza”, a consciência de estar vivo deveria nos atravessar de modo que fôssemos capazes de sentir que o rio, a floresta, o vento, as nuvens são nosso espelho na vida.”

 

Resenha Livro: A vida não é útil. Ailton Krenak

Título: A vida não é útil

Autor: Ailton Krenak

Editora: Companhia das Letras

Páginas: 126

Ano: 2020

 

Texto de Liana Oliveira Lopes Borges. Auditora Fiscal do Meio Ambiente, graduanda em Direito e praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

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