No Brasil temos 305 etnias diferentes de povos indígenas e apesar de cada uma apresentar suas particularidades, todas compartilham uma característica fundamental: o modo como se relacionam com o meio ambiente. É possível observar que ao longo dos anos, a população indígena desenvolveu uma relação com a natureza de forma a utilizar seus recursos naturais de modo sustentável e durável, sendo assim, produzem o suficiente para manter sua comunidade. Além disso, estes povos apresentam um papel essencial para a manutenção e formação da biodiversidade, com técnicas de manejo adequadas, transformando solos pobres em solos férteis (Terra Preta de Índio).
Segundo a Organização das nações unidas para agricultura e alimentação (FAO), apesar de serem apenas 5% da população mundial, 28% da superfície terrestre são gerenciadas por povos indígenas, sendo 80% da biodiversidade mundial protegidas e preservadas por eles juntamente com as populações ribeirinhas. Um exemplo disso é o fato de que as Terras Indígenas apresentam o menor desmatamento da região da Amazônia e, portanto, são as regiões mais preservadas, além de ser observada a menor ocorrência de incêndios. Além disso, esse desmatamento provém da mineração, da agropecuária e da extração ilegal de madeira, tópico que recentemente está sendo fonte de debate devido ao PL 191/2020, que desencadeou diversas discussões sobre o tema da autorização da mineração e construção de hidrelétricas em terras indígenas.
Há diversas entrevistas com representantes destes povos nas quais as falas representam sua relação com a natureza e como essa visão pode ser comparada em diversos âmbitos, com a visão da interconexão que estudamos no budismo. Para estes povos a natureza é mais do que um meio de subsistência, e mais do que um espaço físico, é também o modo de vida, a história, a cultura e a inter-relação entre estes aspectos. Diferentemente da visão capitalista, tendo o ambiente como um local a ser explorado pelo homem a fim de gerar lucros, os povos indígenas apresentam uma relação social, de reciprocidade e respeito com o meio em que vivem.
A seguir, seguem alguns trechos que me chamaram a atenção, feitos pela ativista indígena Naiara Tukano: “Quando a gente rompe os fluxos da Terra, a gente a prejudica, porque ela é um todo…” “Há centenas de anos nossos pajés alertam para cuidar da natureza, nós somos natureza “.Plantar, diminuir o lixo, buscar uma forma de vida mais simples, buscar outras formas de troca baseadas em outras sabedorias. É pela reconexão com a terra que podemos buscar um caminho de cura. O sopro da vida existe em cada um de nós”. Outro trecho, explicado por André Baniwa, vice-presidente da Organização Indígena da Bacia do Içana (OIBI), do Amazonas, fala sobre a preservação como parte da cultura de seu povo: “Nós somos a floresta e a floresta também é parte de nós. Essa é a cultura Baniwa e parte de muitas culturas indígenas. Tudo para nós tem vida, dos animais até as pedras. Portanto, precisamos usar tudo isso com um certo limite. Se a ciência incorporasse esses métodos, estaríamos em um caminho completamente diferente…”
Outro ponto importante é como este conhecimento é passado de geração em geração, garantindo que ao longo de milênios estes povos conseguissem viver harmoniosamente em ambientes difíceis como as serras. A comunidade da etnia Ingarikó por exemplo, passa esse conhecimento verbalmente por meio dos índios mais velhos para os mais novos. Assim, os costumes tradicionais e toda sabedoria adquirida ao longo dos anos provém de anos de experimento e observação, focando sempre sua produção para satisfação apenas de suas necessidades e não no acúmulo de bens.
A transmissão e os ensinamentos pelos antepassados aos índios mais jovens me lembraram os ensinamentos do Dharma, passados de mestre para discípulo. Em ambos é nítida a importância e o respeito por aqueles que tanto nos ensinam. Além dos estudos do Dharma, a partir da prática do zazen é possível estabelecer uma relação entre esta visão do meio ambiente destes povos e a que acabamos por desenvolver no budismo. Acredito que a visão da natureza em seu sentido global, de forma que tudo é natureza, inclusive a espécie humana, colocando todos os elementos pertencentes no mesmo patamar, poderia nos auxiliar a ter outra perspectiva sobre o meio que nos cerca.
Texto de Mariana Belchor. Doutora em Biologia e Professora de Fisiologia. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.
Referencias:
https://akatu.org.br/povos-indigenas-muito-mais-que-guardioes-das-florestas/
https://www.brasildefato.com.br/2022/04/09/camara-sente-repercussao-negativa-e-desacelera-pl-que-autoriza-mineracao-em-terras-indigenas
https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2022/03/29/por-que-a-protecao-as-florestas-envolve-a-preservacao-das-terras-indigenas.htm