A Questão do Suicídio no Brasil no Contexto da Pandemia e a Prática da Generosidade

Historicamente, medidas de restrição social são favoráveis para a redução de doenças. Concomitantemente, sentimentos de pertencimento de grupo e acolhimento emocional são questões decisivas quando pensamos em fatores que influenciam o risco de comportamentos suicidas.

Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que 79% das mortes por suicídio no mundo acontecem em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, grupo do qual o Brasil está inserido. Isso acontece, principalmente, pois fatores econômicos como o desemprego, desigualdade, redução do poder socioeconômico e desigualdade social são decisivos quando pensamos em prevenção e tratamento do suicídio em escala populacional. O isolamento e as medidas de restrição social reduzem a disseminação do vírus, mas, em contrapartida, acentua os problemas socioeconômicos que já estavam presentes em nossa sociedade.

São diversas as previsões de austeridade econômica, não só no Brasil, mas no mundo. O fechamento de diversos estabelecimentos e o consequente impacto no desemprego, redução do consumo e investimentos causam uma necessidade crescente de medidas governamentais e de planejamento de gestão pública que sejam eficientes em reduzir as desigualdades crescentes em nosso país.

Nesse contexto, é possível observar o aumento do isolamento e sentimento de solidão presente na população. Diferente de outros momentos na história, podemos nos sentir mais próximos uns dos outros na medida em que existem soluções tecnológicas que encurtam a distância causada por medidas de isolamento. Enquanto isso tem o potencial de melhorar muito o risco de suicídio, em contrapartida, existem barreiras acentuadas pela restrição socioeconômica. O acesso à tecnologia e os recursos educacionais que possibilitam seu uso não são realidade para grande parte dos brasileiros e isso é agravado na medida em que as dificuldades econômicas se agravam. Além disso, a suspensão de cerimônias religiosas merece a devida atenção, pois, quando estão em contextos de suporte e acolhimento social, servem como fator de proteção em relação ao comportamento suicida. Apesar do desafio, a adaptação de atividades religiosas e outras atividades em grupo de caráter espiritual pode ser decisiva para suprir essa necessidade de suporte social e emocional, além de aumentar o sentimento de pertencimento.

A adaptação ao acesso remoto representa, também, desafios para o acesso de serviços de saúde mental. Com o aumento das demandas de saúde mental, principalmente em relação à depressão e ansiedade, a questão da inclusão digital tem se mostrado mais importante do que nunca. Grande parcela da população não possui acesso a telefone celular e internet, o que faz com que não tenham acesso a serviços de saúde mental que são essenciais nesse momento. Ao mesmo tempo, é crescente o número de pessoas que estão expostas a problemas como depressão, isolamento, medo de morrer, violência doméstica e etc. A cada dia que passa é possível ver o número de pessoas expostas ao processo de luto, sem a possibilidade de realizar funerais com a presença de pessoas que servem como rede de apoio e sem a presença de amigos e familiares queridos. Esses fatores aliados à dificuldade ao acesso de serviços de saúde mental representam elementos agravantes ao risco de suicídio na população.

O momento que estamos vivendo pede que tenhamos a habilidade de acolher as vulnerabilidades uns dos outros. Devemos nos esforçar para treinar nossa mente a observar, cada vez mais, a realidade conectada que está diante de nós. Quando conseguimos pôr em prática o ensinamento de interdependência, a constatação que tudo que existe está conectado, e perceber que não existe diferença entre o “eu” e os “outros”, é possível começar a praticar Dana, a prática da generosidade, o ato de compartilhar.

A prática da generosidade vai além de abrir mão de bens materiais, se trata de abrir o coração para os outros e oferecer a compaixão contida em cada um de nós. Podemos, todos nós, nos esforçamos para doar nosso tempo, escuta e compaixão àqueles que estão sofrendo ao nosso lado. É possível construir pontes entre as pessoas, oferecer presença e escuta.

A realidade brasileira no contexto da pandemia é extremamente desafiadora, mas uma grande oportunidade de praticarmos as qualidades tão importantes do Dharma de Buda. Podemos ser ativos, enquanto parte de uma comunidade, ajudando a parcela da população que não tem acesso aos meios de saúde e de comunicação necessários no contexto de pandemia. Ao doar nosso tempo estando do lado das pessoas que estão em luto, experimentando condições como a depressão e ansiedade, estamos amenizando o sofrimento de todos.

O possível aumento das taxas de suicídio no Brasil não é inevitável. Para além das políticas públicas necessárias e os desafios enfrentados no contexto brasileiro, podemos nós mesmos colocar em prática os ensinamentos de Buda para conseguirmos nos libertar do sofrimento e oferecer ajuda e suporte a todos os seres.

 

*Se você está vivendo um momento muito difícil e se identificou com alguma parte deste texto, converse com as pessoas ao seu redor e procure ajuda profissional. Entre em contato com o CVV (Centro de Valorização da Vida) pelo telefone 144 ou pela internet no endereço https://www.cvv.org.br. Esse serviço está disponível 24 horas por dia, todos os dias da semana. *

 

Texto de Renato Oliveira, psicólogo e terapeuta clínico. Praticante na Daissen. Escola Soto Zen

 

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Fontes:

Iemmi V, Bantjes J, Coast E, Channer K, Leone T, McDaid D, et al. Suicide and poverty in low-income and middle-income countries: a systematic review. Lancet Psychiatry. 2016;3(8):774–83. doi: 10.1016/S2215-0366(16)30066-9

Gunnell D, Appleby L, Arensman E, Hawton K, John A, Kapur N, et al. Suicide risk and prevention during the COVID-19 pandemic. Lancet Psychiatry. 2020. doi: https://doi.org/10.1016/ S2215-0366(20)30171-1

World Health Organization. Suicide [Internet]. World Health Organization Newsroom. 2019. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/suicide

Zortea TC. Inequalities, COVID-19 pandemic, and possible impacts on suicide risk in Brazil. SMAD, Rev EletrônicaSaúde Mental Álcool Drog. 2020;16(4):1-2. doi: https://dx.doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2020.0142.

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