Se possível, um dia realize a seguinte experiência: em um ambiente público, feche os olhos e imagine a cor azul. Permaneça nessa condição por alguns segundos. Abra os olhos. Certamente você verá cores azuis das mais diferentes nuances e tonalidades por todos os lados. O que aconteceu, afinal? De onde vieram tantos objetos, coisas, formas da cor azul? Como num passe de mágica, todo ambiente agora enfatiza a cor azul? Podemos de maneira mística e até mesmo equivocada afirmar: “Eu atraí a cor azul, através da força do meu pensamento”. Bom, não é necessário ser um expert no assunto para saber que o pensamento é um fenômeno bastante volátil e passageiro. Assim sendo, sua capacidade de materialização é significativamente fraca.
O que ocorre é simples. A cor azul sempre esteve por lá. O que alterou foi a capacidade de foco e, consequentemente, de percepção. Todos os objetos azuis já existiam, apenas passavam despercebidos. Mas, o que isso tem a ver com zazen? Acredite: TUDO! Zazen é prática. Uma prática dotada de etapas e gradações. Vou descrever melhor, por partes.
A prática de zazen, de fato, tem como ponto de partida, o exercício do foco, a concentração plena. Mas não nos concentramos na “cor azul”. Nosso ideário é a mente do Buda. Nela, estabelecemos nosso propósito que chamamos de refúgio. Ao focar na mente do Buda, nos espelhamos nessa mente. Mas, então passamos a enxergar “Budas” por toda a parte? A resposta é sim e não. Não enxergamos imagens, alegorias da figura de Shakyamuni Buda pelos lugares onde passamos, não se trata disso, não buscamos isso. Enxergamos Buda em todas as formas de existência. Todos os seres são frutos de uma mente generosa, dotada de amor e compaixão. Essa mente é a mente Buda que, ao buscarmos, nos tornamos capazes de ver o mundo com os mesmos olhos de compassividade e amor.
Durante o zazen, nos sentamos em silêncio diante de uma parede branca, para que nenhum estímulo nos seja ofertado. Não há formas, não há cores, brilhos, fala para nos guiar no processo, nada. A intenção por detrás dessa condição é clara: buscamos esvaziar a mente. Buscamos retirar um foco específico, não pretendemos ver apenas a cor azul, ao contrário. A mente búdica abarca todas as possibilidades de visão e percepção. Não se trata de uma busca singular, mas sim, da expansão de processos ilimitados de uma mente maior.
Para tanto, é necessário deixarmos de lado definições prévias. É necessário não mais definir o azul. Quando perdemos definições limitadoras da mente, durante a prática do zazen, mesmo que por poucos segundos a mente de Buda pode se manifestar e essa experiência é rodeada de uma paz infinita. Nessa mente, todas as formas, cores, sons e fenômenos estão contidos. Todavia, por estarem contidos, ocupando o mesmo espaço, não se distinguem. Na mente de um Buda, tudo se funde em um só. Todas as coisas, todos os seres são uno e, por isso, igual e unanimemente amados.
Em nossa trajetória pela vida diária, no entanto, precisamos experimentar processos de distinção que facilitam e até mesmo garantem nossa sobrevivência humana. Contudo, retomar a memória de que “cores azuis apenas se manifestam se lhe damos importância”, pode nos facilitar no enfrentamento de problemas e desafios do dia a dia. Se buscamos por paz, experimentaremos a paz. Se buscamos amor, manifestaremos amor. Se buscamos compaixão, podemos diminuir nossa autoimportância e perceber a dor de um outro com mais facilidade. A mente vê o que procura. E mente que procura pelo Buda vê com os olhos do universo.
Texto de Jule Amaral. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.