O som dos pássaros se estende como um arco no céu, mais alto e depois mais baixo, até desaparecer como se nunca tivesse existido, deixando um silêncio profundo tomar forma em seu lugar, até que novas aves batam suas asas em um voo próximo. Elas não vêm ou vão para lugar algum, apenas são o que são, momento a momento, fluindo no instante contínuo da vida.
As vozes das crianças se arrumando para irem à escola ressoam enquanto o dia amanhece lentamente, as cores em movimento no firmamento, as nuvens ganhando velocidade conforme o vento muda de ritmo. Nuvens que se desfazem e refazem constantemente, densas ou transparentes, ocultando o sol ou permitindo que ele as atravesse.
Um gato se espreguiça e solta um breve miado, pneus de carro deslizam pelo asfalto ainda frio do início do dia. Inumeráveis pessoas despertando para reencenar sua rotina, enquanto as árvores, imóveis, apenas observam e, desapegadas, deixam que suas folhas se soltem dos galhos e flutuem planando até o chão. E sobre esse tapete de folhas, caminhamos.
Uma miríade de realidades parece surgir através dos olhos de cada um. Realidades boas ou más, mas sempre efêmeras, como vagalumes que piscam constantemente, apagando e acendendo a si mesmas, mudando e se repetindo ao mesmo tempo.
Objetivos e fugas parecem movimentar um eu que pende entre ambos, uma verdade holográfica sem substância, exceto para o eu que também faz parte da holografia.
Esse eu não ouve o som dos pássaros ou das vozes infantis, ele não vê as nuvens ou acompanha o movimento dos gatos e carros, tampouco repara nas árvores e nas folhas que dançam ao seu redor.
Esse eu se sustenta pela desatenção ao presente, pelo não ver o que se olha, não ouvir o que se escuta, não sentir o que se toca. Da mesma forma como, para olhar um holograma, uma projeção, é preciso não ver a realidade concreta que existe através dele.
Não é possível ver a miragem e a realidade ao mesmo tempo.
As bocas bocejam e o sono termina de se diluir no movimento natural dos corpos. O relógio indica números que podem ser interpretados como tempo e esse tempo pode atuar na mente de diferentes formas, dependendo do grau da atenção que é oferecido a ele.
O cachorro, impaciente, pede ração. Os portões se abrem e as crianças saem para a escola. As últimas estrelas, exceto a maior, desaparecem no imenso azul que se forma acima.
Não há nada a ser retirado. Nada a ser acrescentado. É simplesmente a vida vivenciando a si mesma, em um fluxo sem começo nem fim.
Por Clarisse Gudniak, DaissenJi, Soto Zen