Ao longo do tempo as artes marciais se dividiram entre externas, como o Kung Fu Wushu na China e o Karatê no Japão, que possuem ênfase em força muscular e velocidade. E as internas, como o Tai Chi Chuan, também um estilo de Kung Fu, que usa suavidade e força interior para ceder e superar a força bruta. Esta última, além de frequentemente praticada pelos seus benefícios à saúde, estudados e comprovados pela ciência, é também conhecida como forma de meditação em movimento.
Para além de conceitos e palavras, o Kung Fu é um estado de espírito, uma filosofia prática. Mas, como ocorreu com muitos métodos orientais milenares ao serem transplantados para o ocidente, muitas distorções aconteceram, e ele chegou pelas bandas de cá apenas como arte marcial ou esporte de luta, e isso está muito longe do seu verdadeiro espírito.
Kung Fu é a maestria de uma ou várias artes. Um padeiro, por exemplo, pode ter um grande espírito Kung Fu ao preparar o seu pão. Para Confúcio, um verdadeiro “mestre Kung Fu” deve ter muito conhecimento em filosofia, medicina interna, boa conduta, estar em harmonia com o ambiente em que vive e, sim, também ser capaz de defender a si mesmo e aos demais seres contra alguma espécie de ataque à integridade física.
Apesar de não estarem inerentemente ligados, o Tai Chi Chuan e o Budismo compartilham algumas semelhanças em suas filosofias e métodos, como a forma de cultivar a harmonia mente-corpo e o crescimento espiritual, já que ambas práticas enfatizam a atenção plena, a autoconsciência e o cultivo da paz interior.
O Tai Chi incorpora desde o seu berço princípios do Taoismo, uma tradição filosófica e espiritual que teve influência significativa na cultura chinesa e que também conversou muito com o Budismo e o Confucionismo, em uma interação muito bela e rica em termos culturais e estéticos.
Já o Kung Fu adentra os monastérios e se transforma, influenciado pelo espírito e disciplina do Chan Budismo (Zen japonês). Reza a lenda que quando Bodhidarma, que levou o Budismo Chan para a China no século VI, chegou ao templo Shaolin, constatou que monges tinham uma saúde precária e pouco condicionamento físico. Então ele desenvolveu um método de exercícios físicos que fortalecem o corpo e a mente para as práticas de meditação.
Das técnicas e estratégias de guerra, o Kung Fu evoluiu transformando-se em um dos mais sofisticados métodos de desenvolvimento humano da história da humanidade. As práticas austeras dos monges budistas com muitos dias de meditação e caminhada, Yoga e o jejum fortaleceram o Kung Fu dando a ele métodos de disciplina mais poderosos. E o que conhecemos hoje de ética nas artes marciais tem muita influência desse contexto com o Budismo, no qual nasce uma nova escola da tradicional filosofia chinesa: Não o lutador nem guerreiro, mas o artista marcial, aquele que entendeu que a grande “guerra” é interna, com o próprio “eu” ignorante do seu vazio.
Os templos budistas chineses eram, muitas vezes, locais construídos e mantidos pelo império, e muitos se tornaram também centros de estudos não apenas budistas, mas também do Confucionismo, Taoismo, Medicina chinesa, artes em geral e tradução de sutras em sânscrito. Já no Japão, os templos ganharam contornos um pouco diferentes.
Sabemos que Budismo, Kung Fu e Tai Chi são caminhos que podem ser trilhados separadamente. Mas, após centenas de anos com tantas grandes mudanças e reviravoltas políticas, perseguições aos praticantes e destruição de templos, fica a certeza de que nada simplesmente desaparece, e que as práticas seguem caminhando lado a lado em muitos “corações” espalhados por este Universo.
Alfredo Teles San, comunicólogo, instrutor de Tai Chi e práticas contemplativas e voluntário na Daissen Ji.