A cidade de Santos, no litoral de São Paulo é conhecida pelos seus canais. Projetados por Francisco Saturnino de Brito, os canais fazem parte da obra de drenagem da cidade e tem como objetivo minimizar os problemas de alagamento que ocorriam na época (século XX). Ou seja, os canais de drenagem dão suporte aos emissários de esgoto de Santos, separando as águas de rios e córregos das águas do esgoto.
Feito este breve contexto, penso ser importante dizer que trabalhar presencialmente nessa cidade tem me proporcionado diversos momentos de contemplação. Ao caminhar próximo ao local, é de se admirar a vida no entorno, apesar da quantidade de resíduos.
Com suas pequenas patas parcialmente mergulhadas nas águas do canal, a ave lavadeira-mascarada, também conhecida como noivinha, busca pequenos animais que vivem nas margens para se alimentar. A garça-branca também é frequentemente observada no local em busca de alimento, dando um ar mais colorido e vívido ao ambiente. Mais próximos da passagem dos pedestres, avistei também bem-te-vis empoleirados nos canos, porém, estes logo saíram em direção às arvores assim que me aproximei.
Além das aves, também foi possível observar pequenos peixes que nadavam em grupos ao longo das águas túrbidas. Acredito que eles devem mesmo “acelerar o passo”, pois as garças-brancas estavam por perto.
Figura 1: Beira do canal com a lavadeira-mascarada à esquerda e a garça-branca à direita.
Apenas descrevo o que vi e vejo sempre que caminho por lá. Entretanto, já imagino a quantidade de espécies de insetos e outros invertebrados que fazem com que esse ecossistema viva em equilíbrio, na medida do possível. Para que tudo isso seja possível, algumas medidas são tomadas pela prefeitura do município, como a limpeza manual dos taludes e remoção do material depositado na superfície da água e no fundo do canal. Além disso, ecobarreiras flutuantes impedem a passagem de resíduos para o mar e concentram boa parte do lixo no mesmo local, facilitando assim a coleta.
Penso que dois pontos são essenciais nesse contexto para refletir com os ensinamentos budistas: a interdependência e a capacidade de adaptação dos seres vivos. O crescimento desordenado da espécie humana e o desenvolvimento das cidades causam grandes impactos ao meio ambiente. Entretanto, medidas podem ser tomadas para permitir a existência de outras espécies, como as que foram supracitadas. O ato de não jogar lixo nos canais, ou o de retirá-lo, permitiu a existência de espécies de peixes e muitos grupos de invertebrados, fato que permite a sobrevivência de diversas aves e nos proporciona um ambiente mais equilibrado.
Apesar de estar longe de ser um cenário ideal, a presença dos animais e da vegetação no local me fizeram refletir sobre como é necessária nossa adaptação em relação ao meio que vivemos, de forma a conseguir transmitir paz, beleza e equilíbrio por mais que o suporte oferecido no meio em que estamos contidos não seja o ideal.
Toda essa reflexão, feita ao caminhar até o mercado, só foi possível pela tranquilidade que o zazen proporciona, e pela mente atenta, fruto dos aprendizados do Dharma.Termino minha caminhada feliz e em paz, pois quando me vejo fazendo parte do meio, sinto que pequenas atitudes são benéficas não apenas para os demais seres vivos, mas para todas as espécies.
Texto de Mariana Belchor. Doutora em Biologia e Professora de Fisiologia. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.
Referências:
http://www.canaldoportodesantos.com/2015/11/videos-e-fotos-as-aves-de-santos.html
https://www.santos.sp.gov.br/?q=noticia/servicos-de-limpeza-sao-iniciados-em-dois-canais-de-santos
https://www.santos.sp.gov.br/?q=noticia/semana-saturnino-de-brito-relembra-a-historia-do-saneamento-na-regiao