Entrevista com a monja Zen Budista Ryosen

Mariangela Maia de Oliveira, nasceu no RJ e formou em Psicologia (UFMG-1983), com ênfase em Educação Infantil. Trabalhou como professora e psicóloga por uma década na creche Fafich/UFMG.

Monja Zen Budista, Ryosen, desde 1998, dedicou 10 anos à residência e coordenação do Templo Zen de Ouro Preto-MG, onde promoveu atividades culturais, sociais e educacionais.

Com grande potencial criativo e artístico, tem mesclado a experiência com a prática da meditação (desde 1979) e silêncio para adultos e crianças, utilizando a Yoga na Educação (R.Y.E.), como alternativa pedagógica, nos últimos 10 anos.

Fez consultoria de meditação para “Política Nacional de Promoção De Saúde”, SUS/MG, em out/2006. Coordenou e conduziu o projeto de prática de meditação no ex-CERESP centro-sul feminino de 2012 a 2105; e na Escola Estadual J.M.C. BH/MG de 2016 a 2018, no projeto Escola Integral, atendendo crianças de 6 a 11 anos. Em 2022, retornou com o projeto Pausa Inteligente, para todas as crianças, preparando o corpo-mente para aprendizagem, contribuindo para minimizar os efeitos da pandemia.

Ministrou aulas de meditação em 2 escolas particulares, no contra turno, de 2009 a 2011. Aulas particulares para crianças de 5 a 11 anos desde 2012. E, durante a pandemia, on-line.

YOGA R.Y.E & Meditação para grupo de crianças de 4 a 11 anos, de 2013 até o início da pandemia, retornando em 2022.

É autora do livro & DVD Palavras do Silêncio, Words from silence. Coordena o Honin Zendo em BH – MG desde 2007.

Neste mês, ela nos conta um pouco sobre sua emocionante trajetória, desafios e alegrias de seu trabalho de meditação com crianças e mulheres em privação de liberdade.


Sabemos
que a senhora realizou projetos com mulheres em privação de liberdade, com crianças em escolas e outros espaços. Poderia contar um pouco desses projetos? Como começaram, quais foram os desafios, os efeitos dos projetos na da das pessoas que participaram.

Monja Ryosen: A Psicologia, a educação infantil e o Zen aconteceram na minha vida na mesma época, em 1979. Num tempo, onde a prática da meditação não tinha a relevância e a repercussão que vem tendo ao longo dos últimos 30 anos. Haviam poucas traduções de mestres, sobre budismo e sobre a prática de meditação para criança nem se fala.

O meu relacionamento com educação para crianças, nasceu e se solidificou nos 10 anos que trabalhei na creche Fafich-UFMG, onde atuei como professora e psicóloga. E se manteve durante minha residência no Templo Pico de Raios, Ouro Preto. Onde, em parceria com a Escola Municipal da comunidade vizinha, promovi atividades artísticas e educacionais. Sempre gostava de ver as crianças se desenvolvendo com criatividade e beleza, através da nossa relação.

A arte, meu conhecimento sobre desenvolvimento da criança, 12 anos de análise e a dedicação à prática da meditação (desde 1979), acredito que foram as minhas estratégias psicopedagógicas iniciais. O “meu” projeto de meditação para crianças foi sendo construído ao longo do tempo, muito intuitivamente. Aos poucos e nos últimos anos fui encontrando bibliografia específica e somando com formação de Yoga na Educação (R.Y.E.) em 2011. O Projeto com as crianças foi a base para realizar o projeto na Unidade Prisional feminina.

Depois de 10 anos residindo no Templo, a minha mudança para BH em dezembro de 2008, me exigiu começar do zero profissionalmente. Neste sentido o apoio da Sangha foi fundamental.

Já tinha um Zendo (doado por uma praticante), no centro de BH desde 2007. E um novo foi oferecido para realizar zazenkais, que acontecem desde 2009. A Associação Mentes Libertas foi fundada em 2012, com objetivo de dar suporte aos meus trabalhos, levando meditação à população em vulnerabilidade social (escola pública e unidade prisional…), nutrindo a humanidade existente nas pessoas.

NO ex- CERESP (Centro de Remanejamento do Sistema Prisional) centro-sul feminino- BH, iniciei um projeto em 2011, a partir da sugestão de uma aluna zen voluntária na Pastoral Carcerária e à adesão da socióloga responsável. Aceitei, mas não tinha um projeto pronto. Nunca trabalhei com este público. O projeto foi sendo construído e baseado no trabalho que desenvolvia com as crianças. Os maiores desafios foram: meu medo inicial, que transformei em estado de presença; só a direção sabia da minha condição monástica porque o ambiente era muito influenciado pelos evangélicos; e tive que adequar e cuidar da linguagem para comunicar e favorecer a receptividade. Permaneci 4 anos (até dez. 2015)!! Até o espaço (antigo DOPS) ser interditado pela Defensoria Pública. A superlotação foi transferida e o CERESP-feminino se tornou um Memorial da Ditadura. Sinceramente, não sei como consegui, como fui capaz. Pessoalmente, tinha uma certa aversão em relação à precariedade e a feiúra. Lembro o quanto foi difícil no meu tempo de estudante de psicologia, fazer estágio obrigatório no hospital psiquiátrico. O que vivi e o que se sucedeu com este projeto considero “efeito” Zazen. E de tanto observar os rostos mais leves e sorridentes e o espírito mais calmo e agradecidos das participantes, após cada oficina de uma hora e meia, confirmei o quanto a prática beneficiava, o quanto o zazen transforma. Repetidas vezes elas comentavam: ”se soubesse disso antes, tudo seria diferente”. Elas tiveram informações e vivências sobre respiração, consciência corporal através de movimentos, relaxamento e meditação num encontro criativo e lúdico, onde foram respeitadas e aceitas. Todavia, as dificuldades operacionais no Centro Prisional se impuseram e foram maiores que nosso desejo de continuar.

Para mim ficou evidente o quanto a prevenção é fundamental e com esta perspectiva em 2016, dando continuidade aos serviços prestados à Associação, apresentei um projeto de meditação na Escola Pública em frente de casa. É uma Escola Estadual onde algumas salas dão para a janela da minha casa, eu vejo portas de salas, corredor de fora… Eu via professores aos gritos com as crianças, pedindo silencio, berrando para pedir atenção. Uma tormenta, me incomodava profundamente essa relação ineficiente com as crianças.

Desde 2009 trabalhei com pequenos grupos em 2 escolas particulares no contra turno; aula individual particular, em estúdio de Pilates… O desafio era ampliar o atendimento. Encontrar uma linguagem e estratégias específicas e receptividade de todos envolvidos no processo ensino-aprendizagem.

“Técnicas Básicas de Yoga e Meditação Aplicadas à Educação”, este era o nome inicial do projeto apresentado à Escola Estadual J.M.C. em BH, onde minhas sobrinhas netas e alunas de meditação estudavam e onde encontrei uma grande receptividade por parte da Diretora e todo apoio da Ass. Mentes Libertas. A Escola está em local de baixa renda, com considerável índice de criminalidade e onde o encarceramento de familiares e conhecidos é uma realidade para as crianças (de 6 a 11 anos), que de uma certa maneira afetava seu rendimento escolar e suas habilidades socio-emocionais. Contudo, encontrei receptividade por parte da maioria das crianças. Criei um roteiro criativo e conciso e atendia os dois turnos, 10 turmas das crianças que permaneciam na escola em tempo integral, a princípio 5’ uma vez por semana. O objetivo era fazer pausa entre atividades/matérias. Favorecendo o descanso e a atenção plena. Depois de 2 meses, o tempo do roteiro aumentou para 10’ e uma amiga, também praticante, passou a me auxiliar, registrando e observando o meu trabalho. Ampliamos para todas as crianças no pátio. Mas, no ano seguinte tivemos problemas com a palavra ’yoga’, um professor denunciou alegando não fazer parte da grade curricular e mal-entendidos com pais e professores evangélicos. Tivemos que interromper e só pudemos voltar no semestre seguinte. Contudo, atravessamos as dificuldades usando a criatividade e ampliando a informação. Permanecemos durante 3 anos. E 600 crianças passaram pelo projeto.

Houve interrupção por um ano (2019) por questões políticas. O projeto escola integral foi cancelado depois de 13 anos. Veio a pandemia e retornei a convite da Diretora no segundo semestre de 2022, para ajudar nos efeitos danosos da Pandemia. Passei a atender toda a escola (242 crianças) nos dois turnos, no pátio por 15’, 2 vezes por semana. Depois do recreio manhã e antes de começar a aula à tarde. “Pausa inteligente” passou a ser o nome do projeto.

Os profissionais sensíveis e atentos às necessidades das crianças sabem o quanto é necessário e bem vindo trabalhos que ajudem as crianças a se desenvolverem plenamente. No ambiente escolar é fundamental a participação e o envolvimento de todos para que as sementes plantadas, floresçam.


E como a senhora articula Zen Budismo e Psicologia nesses projetos?

Monja Ryosen:  Não tem como não articular, porque aconteceram na mesma época (1979). Já estudava Psicologia quando conheci o zazen, o mestre, o Budismo. São coisas que se complementam e fundamentam meus trabalhos. São vias de autoconhecimento e completamente conectadas e fazem parte da minha jornada profissional e espiritual.

O Budismo é o silencio e a psicologia a palavra essência, o conhecimento dos processos mentais e comportamentais. Esse silencio é cultivado no Budismo e dentro da escola e unidade prisional é reabilitá-lo através da prática de meditação.


Muito bonita a trajetória da senhora com esses projetos. Emocionante! Obrigada por compartilhar conosco. Tem algo que a senhora gostaria de acrescentar?

Monja Ryosen:  Percebo que ao longo do tempo, confirmei que o contato com a meditação quando criança, contribui para fortalecer sua sensibilidade, intuição e para construir sua humanidade em bases sólidas.

Ensinar as crianças a prestar atenção em si mesmas, cultivar a vida interior, é uma construção necessária, para enfrentar as dificuldades da vida com criatividade e sabedoria e para o seu desenvolvimento pleno.

Como a meditação é uma capacidade inata que é desenvolvida e aprofundada através da prática, se a criança tem a oportunidade de ter contato durante a sua formação educacional, ela possivelmente se tornará um adulto que contribuirá positivamente para sua vida e da sociedade. A unidade prisional torna-se desnecessária.

A meditação tem o poder de transformar as pessoas numa via de mão dupla. Alunos dizem:

“Ajuda a gente a ter concentração, ficamos com mais atenção no cérebro.”

“Está sendo muito bom pra mim porque estou prestando mais atenção nas aulas.” “Esse trabalho me ajudou a encontrar amor, amizades e coisas lindas desse mundo!” Diretora:

“Vimos muitos resultados na aprendizagem das crianças e muitas levam isso pra casa, trabalham com a família.”

  

“Precisamos ser a paz que queremos ver no mundo”. M. Gandhi

 

Entrevista realizada por Fusô san e Mushin san. Praticantes na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

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