O Dia a Dia Corporativo: Reconhecemos a Impermanência?

 

Lembro de uma pessoa que dizia, que quando nos apresentamos em nossas reuniões, não deveríamos falar que somos um determinado cargo, mas que estamos naquele cargo, pois ao personificarmos a nossa posição transitória, nos apegamos tanto à função que bloqueamos o nosso crescimento.

Desde que ela me chamou a atenção de forma carinhosa, eu sempre me corrijo sobre esta colocação e hoje aqui escrevendo sobre a impermanência – em Sânscrito ou Pali – “Anicca” após a aula sobre as três marcas da existência, volto a refletir sobre o dia a dia no espaço que mais interagimos com outras pessoas, o nosso ambiente de trabalho.

Estamos em um momento de transição de visão de mundo. Quantos de nós aqui neste momento crescemos ouvindo que o lugar excelente para crescer e trabalhar é aquela posição sólida, ou uma empresa que seus colaboradores passam por 10, 20 ou 30 anos em suas dependências?

Em quantas entrevistas de emprego hoje em dia prega-se mais a “Tanha” (ganância) como ferramenta de medição de confiabilidade na contratação e avaliação de um profissional? Pois ele terá uma carreira sólida por que ficou tanto tempo em uma empresa?

Nesse momento de transição e economia exponencial, precisamos urgentemente nos desapegar do que é externo e compreender a experiência, de que cada lugar que passamos, o resultado que geramos é tão ou mais importante que o tempo que se fica em uma cadeira.

Compreender que a cada colaborador, parceiro de trabalho e liderado, a impermanência se faz presente a cada criação coletiva, pois nos desapegamos da nossa ideia única, muitas vezes enviesada, e o produto final passa a ser a ideia coletiva, composta de muitos mundos, e que no final do trabalho somos muito mais ricos, porque desapegamos da necessidade de sermos certos e únicos. Reconhecemo-nos como parte do oceano de oportunidades.

Outra grande dificuldade que encontramos sobre a impermanência que nos cerca no dia a dia corporativo é a positividade tóxica, que nos traz a barreira em reconhecer que todo ambiente corporativo é composto de pessoas em ciclos de vida diferentes e que além da interação corporativa tem uma vida “civil”.

Ao entendermos a integridade do ser em seus múltiplos papéis, torna-se imperativo compreender e acolher o fato de “não estar bem” por que sua vida pessoal está demandando demais.

É visto hoje como uma contaminação dos rituais corporativos um filho doente, uma mãe exausta por dar conta de múltiplas realidades ou um líder que decide trazer a sua visão humana a seus liderados.

Não abraçar o humano dos colaboradores é uma forma de negar este ciclo de impermanência, que todo dia bate a nossa porta e nos leva a refletir que em toda ocasião, alegria e sofrimento tem término e que na nossa ilusória separação não devemos respeitar a impermanência inerente a vida de cada um.

Um artigo da Harvard Business Review, com o título “Tudo bem não estar bem”, mostra o quanto não se deixar absorver pela corrente do aprendizado de cada fase normaliza a alienação do positivismo tóxico, e nos ensina como validar o sentimento do outro de forma respeitosa e sim de ser um bom ouvinte.

O outro é sempre a oportunidade de nos refinarmos nos ensinamentos de Buda, quando lembramos da fala correta, do pensamento correto e da atitude correta e que ao lembrarmos disto temos de forma muito simples uma medida de conduta para todos nós.

Ouvir com ouvidos atentos, não julgar ou invalidar o sentimento do outro e aprender sobre como ser em breves palavras aquele colega que precisávamos em momentos difíceis pode ser uma das chaves da humanização e da aceitação da impermanência.

Ser humano é ser impermanente.

Texto de Melissa Cozono. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

Referência:

It’s Okay to Not Be Okay”

Vasundhara Sawhney

https://hbr.org/2020/11/its-okay-to-not-be-okay?language=pt

Artigo de Novembro/2020 e acessado em 23/08/2022 as 16:45

 

 

 

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