A Transparência do Vazio

 

Uma das coisas que nos fazem únicos como humanos é a nossa imensa capacidade de abertura, a liberdade da nossa consciência. Somos capazes de ter consciência de nossa própria consciência. Além disso, temos uma capacidade de memória muito grande e, finalmente, uma habilidade de abstrair da realidade que é a mesma de poder experimentar vários universos (mentais), escolher um ou se desprender de todos. Essa última opção é o próprio caminho. Os animais, por exemplo, seguem apenas um modelo mental. Nós temos a possibilidade de não saber, de não sabermos quem somos, isso é único e aponta para o fato de que aquilo que podemos pensar que somos é apenas um instante, uma possibilidade entre infinitas, entretanto, apenas possibilidade, apenas poder, não o real.

Essa grande abertura que somos invariavelmente implica em uma grande sensibilidade e em fragilidade. O poder dessa liberdade é tão grande que ela não tem um manual de instruções, não tem algo que diga vá por aqui ou por ali, faça isso ou aquilo. Tudo o que temos é o exemplo de outras pessoas, o exemplo do passado. Mas somos seres presenciais e, por isso também, dos exemplos de outras pessoas e de todo o passado nos vemos livres. Estamos indo constantemente em direção ao futuro, o desconhecido, e isso potencializa ainda mais a liberdade, a abertura, ao nosso alcance.

Agora, diante de tudo isso, você pode parar e não fazer mais nada, nenhum movimento (físico e mental) para o passado ou para o futuro. Esse é o exemplo de todos os budas que vêm do passado e também do futuro, porque esse estado não se prende ao tempo. Nós temos a expressão “todos os budas, através do tempo e do espaço”. Essa é a maneira de sairmos do encantamento gerado em nossos corpos pelo aparente encadeamento de causa e efeito vindo de um passado remoto e indo para um futuro, também remoto. A geração e a manutenção do nosso corpo nesta vida não têm o poder de vincular a nossa consciência. O nosso verdadeiro poder se amplia como o universo e é o de ter consciência da consciência, da consciência, da consciência… isso termina quando nos percebemos como a própria abertura e não como algo que se abre. Nosso poder é o poder de perder todas as consciências, todos os limites que nos impusemos por querermos saber, definir e reter isto e aquilo.

Nós somos feitos da mesma matéria do universo, a memória do universo está em nós. Memória significa guardar em si alguma coisa para existir de alguma forma. Também os animais têm memórias em sua manifestação nesta vida. A memória pode permanecer como marcas fortes e presentes. Se são boas e não voltam mais, podemos ficar nostálgicos, se são más, nos perguntamos, por que não vão embora. Mas a memória não foi feita para ser apegada dessa maneira. Sempre estamos livres das (boas e más) experiências do passado.

Embora estejamos livres de todas as consciências, consciência é o mesmo que manifestação, é o mesmo que estar manifestado, então por estarmos aqui, de uma forma ou de outra, a temos. Cada ser olha para o universo com o seu tipo de consciência, de acordo com a sua manifestação nesta vida. Budas estão livres.

A única maneira de clarificar isso é sair do movimento causa-efeito, nascimento-morte. Para isso nós paramos e não agimos, nada fazemos com o corpo e mente em qualquer instante do dia. Ao fazermos isso todo o universo gira em nós e depois desaparece, quando desaparece está claro e profundamente iluminado.

 

Texto de Monge Seigen Sensei. Sangha Kyozen. Escola Soto Zen.

 

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