Imersão de Final de Semana

 

Isogaba Maware: Se Tens Pressa dê Várias Voltas e Pegue o Caminho Mais Longo

 

Quando passamos por uma livraria, sobretudo de aeroportos, vemos várias revistas com manchetes do tipo: “Barriga sarada em dois meses” ou “Aprenda inglês fluente em seis meses” ou “Prepare-se para o verão com vinte minutos de exercício por dia”, ou livros como “Dez lições para ser feliz” ou “Oito lições para melhorar os negócios”, como se o que serve para uma pessoa sirva para todas as outras ou mesmo sirva para a mesma pessoa eternamente.

Mais recentemente temos visto cursos que oferecem a oportunidade de aprender a meditar e prometem a iluminação em um final de semana. Não sei exatamente quando isso começou, talvez junto com a velocidade da internet tenha vindo a institucionalização da necessidade de realizar as coisas cada vez mais prontamente.

Não temos mais paciência para serviços que possam “demorar” três dias. Entramos em um restaurante e esperamos ser servidos em dez ou quinze minutos, não importa quantas pessoas estejam no local, todas desejam ser atendidas rapidamente. Não nos importamos de pagar mais caro por uma compra na internet desde que esta chegue um dia antes do que as demais ofertas. Almoçamos em fast foods porque nossa vida, sempre ocupada demais, não nos permite esperar, nosso tempo é sempre mais importante.

É intrigante observar que mesmo num domingo haja motoristas dirigindo em alta velocidade, mesmo que ele estacione minutos depois para ir à uma praça ou praia. O que tenho visto agora nas caixas dos entregadores de comida por aplicativo é o adesivo “Não é pressa, é fome”. O risco que o entregador corre de se acidentar e morrer é minimizado em favor da necessidade que o cliente tem de receber sua refeição imediatamente. Não queremos esperar, não podemos esperar, pois o mercado nos diz que “tempo é dinheiro”.

A invenção da necessidade de correr e dos serviços rápidos vai delineando nossas vidas de maneira que tudo que fazemos, consciente ou inconscientemente, está possuído por um imediatismo doentio. Muitas crianças são colocadas em andadores para pular o processo de gatinhar e começar logo a andar. Nos aplicativos WhatsApp e Telegram as mensagens de áudio vêm com a possibilidade de aumentar a velocidade, pois não podemos perder tempo para escutar mensagens com mais de 2 minutos. Perdemos a paciência com crianças e velhos porque são “lentos” demais. Se nossa fila não anda, passamos para a do lado e se alguém demora um pouco para entender as explicações é medíocre ou tem algum problema mental e não serve para a função.

Nossa urgência patológica invade também nossa prática espiritual a ponto de esperarmos por alguma mudança significativa premente, afinal já praticamos há “longos” três meses.

Talvez para nós, praticantes do Zen, pese o ensinamento de que nossa escola seja instantaneísta, mas o que não vemos é que ser instantaneísta nesta vida não pode desconsiderar todas as vidas anteriores de prática. Lembremo-nos que Budha, ao despertar, lembrou-se de suas quinhentas vidas como Bodhisatva, então antes de começarmos a nos fazer cobranças sobre nosso avanço na prática deveríamos nos perguntar: “Será que Sidarta Gautama teria despertado naquele momento sem suas quinhentas vidas anteriores como Bodhisatva”? Ele mesmo, o Sidarta Gautama levou pelo menos seis anos com práticas regulares de ascetismo e meditação.

Existem várias considerações sobre o tempo e o avanço na prática. Uma coisa a ser levada em conta é onde se deseja chegar. Existe um final do caminho? Se não existe um “onde” por que a pressa? Quanto tempo temos para chegar num lugar que não existe? Se não existe onde chegar, existirá um tempo para chegar nele? Se o tempo e o lugar não existem, para que a pressa? Mesmo a noção de tempo e de avanço é relativa. Todos devem levar o mesmo tempo? O quanto eu avanço na prática deve ser a régua de medida para outros praticantes?

Outra questão importante é refletirmos se nossa prática é suficiente para produzir os efeitos que esperamos. Muitas vezes vejo pessoas perguntando sobre a possibilidade de sentar, por falta de tempo, apenas 20 minutos por dia em vez de 40 minutos e se isso tem resultados. É quase como as revistas que prometem barriga sarada em dois meses. Quando estudamos os mestres despertos do passado vemos que suas vidas eram dedicadas a práticas incansáveis. Horas e mais horas de esforço diligente diário. Se somos leigos ou monges que necessitam trabalhar para seu sustento e não podemos sentar pela manhã e levantar somente a noite do Zafu, como podemos desejar que nossa prática nos traga resultados súbitos como dos mestres do passado?

Ainda que não tenhamos a oportunidade de sentar pelo menos duas vezes ao dia, devemos nos dedicar com o máximo de empenho ao tempo que possuímos para mudarmos nossas mentes, mesmo que sejam apenas os 20 minutos e não devemos nos preocupar com tempo, avanço ou objetivo.

Sempre tento me lembrar de uma história que Genshô Sensei conta a respeito do monge que estava morrendo e seu mestre se aproxima e pergunta se pode ajudar em algo. O monge então responde: “Se não há nenhum lugar para ir, como podes me ajudar” a que o mestre responde: “Se você pensa que vai ou vem, ainda não entendeu nada”. Estamos aqui nesse Universo e não existe um ir e vir, não existe um lugar onde chegar e se não vamos a lugar algum então por que a pressa?

Quais nossas expectativas com relação à pratica? Desde muito cedo nosso sistema educacional e mais tarde o corporativo estão ordenados em metas e fins, condicionando nossa mente para os resultados e, óbvio, resultados grandiosos. Todo o mecanismo político, social e econômico está focado em premiar os melhores, dando destaque cada vez mais para os que chegam mais jovens, mais rápido. Este processo automático de busca por resultados rápidos acaba obscurecendo e condicionando nossa mente também quando nos engajamos num caminho espiritual e pensamos nos sinais do despertar como algo abissal nos fazendo perder os pequenos e significativos acontecimentos que, segundo os mestres, são inúmeros. Precisamos parar de perseguir resultados grandiosos e desfrutar mais da jornada, como dizia Dogen Zenji, “apenas sentar, Shikantaza”.

Assisti um documentário japonês há alguns anos que falava sobre o tempo de prática para se tornar um mestre proficiente em algumas profissões no Japão. O tempo que eles calculavam era de 80 mil horas, se não me engano o documentário levava esse nome. Marceneiros que constroem templos, um cozinheiro, uma artista de Kirigami¹ entre outros profissionais falavam de seu tempo de treinamento, sua dedicação exclusiva e seus esforços para seguir à risca os ensinamentos do mestre. Em japonês isso se chama Shugyô.

Quando morava em São Paulo conheci um Sushiman que fora indicado para estudar e trabalhar em um restaurante do amigo de seu pai no Japão. Ele me contou que quando chegou foi limpar banheiro e ficou um ano nesta função até ser promovido para limpar o salão das refeições e organizar as mesas. Somente depois de três anos pôde finalmente ter acesso à cozinha, onde passou a lavar louça e limpar legumes. No final de oito anos começou a cortar peixes e aprender a preparar arroz. No total foram 14 anos de Shugyô.

Uma das grandes lições que espero ter aprendido no mosteiro que estive no Japão foi a esperar e ter paciência. Eu não tinha celular e o mosteiro não me permitia o uso da internet, enquanto fosse Shinto². Assim que passou esse período de reclusão e pude me comunicar com familiares e amigos comecei a escrever cartas e o sistema mais rápido podia levar até dois meses para ser entregue ao destinatário no Brasil e mais dois meses para voltar a resposta. Foi um período muito interessante de aprendizagem sobre expectativas, paciência e aceitação.

Há um provérbio japonês que pode nos levar a uma reflexão sobre a cobrança na prática e a busca por alcançar resultados rápidos que é Isogaba Maware, e a tradução é algo como “Mais pressa, menos velocidade” no sentido de que se temos pressa é melhor pegarmos o caminho mais longo, pois os atalhos podem ser mais demorados. Kawai Sensei, que foi meu Sensei de acupuntura e shiatsu em São Paulo dizia que muitas vezes, para subir uma montanha é melhor dar várias voltas e circundar a montanha do que pegar um atalho em linha reta da base até o topo, pois esse caminho pode ser muito pior, com grandes rochas para escalar, barrancos íngremes e muitas árvores tombadas. Afinal o que conta mesmo é a jornada, seus encontros e suas belezas, pois não existe um fim do caminho.

 

Texto de Monge Chûdô. Monge na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

  • Arte feita com cortes em papel;
  • Literalmente o monge novo no mosteiro, normalmente o período que um monge passa um ano como Shinto.

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