Nada, absolutamente nada de caráter intelectivo poderá explicar a experiência de em um breve momento vermos a realidade assim como é. Custamos a entender o Dharma na vida diária, pois estamos presos a questões dogmáticas e teóricas; acreditando, por sua vez, que o Zen está retido em um livro, ou apenas no momento em que praticamos o zazen. Buscamos compreender sob a ótica da racionalidade, não havendo nada de errado com isso, entretanto, nada superará a experiência diária de cada instante vivenciando a plena atenção.
Hoje, presenciei algo sem muita importância, e penso que por essa razão tenha sido tão Zen, vi uma mulher segurando sua mãe diligentemente pelo braço, quem sabe, sua vó. Apesar das idades obviamente discrepantes, possuíam uma semelhança absurda. Então, nesse precioso momento entrei num profundo estado de compreensão, estando inteiramente presente observando a cena. O fato é que ali mesmo pude enxergar a continuidade da vida, bem diante dos meus olhos, vi que somos a herança de nossos ascendentes.
Nós, de certo modo, estando sempre presentes em nós, como diria Monge Genshō, ao olhar nossas mãos, podemos também vislumbrar a mão de nossos pais e demais ancestrais. Impressionante, não é?! Mas isso é apenas a cereja do bolo, afinal, fazemos parte de uma unidade, unidade manifestada individualmente. Se iremos ter descendentes ou não, pouco importa, há continuidade, haverá sempre continuidade. A vida sempre esteve aqui e agora, nós somos a vida.
Reconhecendo que as palavras tiram o real sentido de uma breve experiência, esmorecendo-se quando buscamos defini-la, ainda sim tornam-se relevantes. Nesse precioso momento é que podemos atestar com nossas próprias vísceras que existe algo por detrás dessa aparente realidade onírica, algo que pode ser alcançado com a prática. Transcendendo quaisquer elucubrações e conjecturas, e firmando-se, mesmo que num átimo de tempo, a beleza das coisas tais como são.
Texto de José Soares. Praticante da Daissen Ji, Escola Soto Zen.