Um Breve Depoimento

 

Quando iniciei nesse itinerário budista, confesso que não foi como um fim em si mesmo, tal qual o imperativo categórico, elucidado por Immanuel Kant; meu escopo mor – como o da maioria das pessoas – partia do ego, que era desvencilhar-me do vazio existencial, oriundo da depressão, que circundava minha vida, tendo suas idas e vindas. Recebi alvitres e demais conselhos para ingressar em religiões judaico-cristãs, no intuito de que, crendo numa potestade, todas as agruras iriam findar-se como uma procela dissipada por um singelo raio de sol. Mas nunca tive inclinação para esses tipos de “soluções”, em grande parte, pelo fato de que, em torno dos 15 anos ter tido contato – precocemente – com as obras do filósofo alemão  Nietzsche, o que moldou, respectivamente, meu senso crítico.

Diante disso, com o início da pandemia, pude conhecer o Zen Budismo, afinal, diante de um confinamento e com tantas mortes ao redor, só nos resta encarar a realidade tal como ela é, e não há outra forma de encará-la, salvo, voltando os olhos a si mesmo, com todas as debilidades, tibiezas e sensações de finitude intrínsecas à natureza humana. Sendo árdua tal incumbência, mormente quando os sentimentos de outrora são ainda mais dilatados pelo status quo. Desse modo, iniciei a prática do zazen esporadicamente consubstanciado à terapia, e à medida que fui sentindo os benefícios da prática, fui me tornando regular, a ponto de praticar assiduamente todos os dias.

Contudo, aonde quero chegar com tal depoimento? A depressão, e os sentimentos depreciativos oriundos dela, em grande parte são doenças do nosso “eu” evanescente. As buscas incessantes por um sentido existencial, de igual maneira, são apanágios do ego; e os benefícios são apenas efeitos colaterais da prática. Não sendo o Budismo uma panaceia para sanar nossos malogros, e sim um farol para vislumbrarmos nossa realidade, sem filtros, sem muletas metafísicas, apenas com a responsabilidade que temos ante o todo, que compreende a nós mesmos.

Desta maneira, todos os questionamentos e inquietações vão sendo dirimidos com o silêncio categórico da parede, e a vida, ao invés de questionada, é apreciada. Todavia, isso não significa que fiquemos docilizados, apenas gratos pela oportunidade que nos foi dada de estar aqui e agora, e de mudarmos nossos olhos, tão maculados pelo véu egoico do samsara, tecido ao longo de nossa existência. E que apesar dos dissabores enfrentados durante essa pandemia, houve uma oportunidade de ressignificar a nossa vida, jamais voltando a ser o que fomos antes desse cataclismo. Afinal, nada é, e sim está, não é mesmo?!

 

Texto de José Soares. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

Pin It on Pinterest

Share This