Uma perspectiva sobre a prática do Zen Budismo por pessoas que possuem ou convivem com portadores de transtornos de humor.
Nesta edição falaremos sobre transtornos mentais e Budismo, especificamente, sobre transtornos de humor e os benefícios que a prática zen budista causa no cotidiano daqueles que possuem algum transtorno, bem como em familiares de pessoas com essas doenças.
Temos a intenção de apresentar as perspectivas das nossas entrevistadas sobre o assunto em questão, esclarecemos, previamente, que o Budismo não deve ser praticado como meio de apaziguar, ou mesmo tratar, nenhuma doença, muito menos transtornos mentais. Pessoas portadores de transtorno de saúde mental devem buscar acompanhamento médico-psiquiátrico e psicoterapêutico. A prática de zazen, ponto central do Zen Budismo, ou de qualquer outro tipo de meditação e práticas de outras escolas tradicionais budistas podem ocasionar bem-estar, podem traçar relevantes mudanças nas vidas daqueles que praticam diligentemente, mas devem estar alinhadas ao tratamento medicamentoso e terapêutico.
Para quem não conhece o termo, transtornos de humor são transtornos mentais que causam alterações emocionais e cognitivas, que podem durar por períodos prolongados de tristeza excessiva, no caso de Depressão; com relação ao Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) existe a oscilação entre períodos de depressão e euforia, atualmente, definida como mania.
A Depressão apresenta causas biológicas, neuroquímicas e psicossociais. É uma doença que pode acometer qualquer pessoa, independentemente do nível educacional, gênero, raça ou renda. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), essa doença atinge cerca de 350 milhões de pessoas no mundo e teve um grande aumento nos últimos anos. Infelizmente, menos de 10% das pessoas que sofrem de depressão recebem tratamento.
Quanto ao Transtorno Bipolar, este atinge cerca de 140 milhões de pessoas no mundo. Uma das possíveis causas do surgimento da doença é o fator genético. Atualmente, leva-se em média 10 anos para o paciente obter um diagnóstico sólido. A falta de conhecimento, o preconceito e a estigmatização desse Transtorno são as principais causas da demora.
Existem três tipos de Transtorno Bipolar, TAB tipo 1, TAB tipo 2 e TAB Ciclitímica, o que os distingue é o episódio de mania, pois TAB tipo 1 há, pelo menos, uma fase maníaca (humor eufórico) intercalada com fases depressivas; TAB tipo II possui mais fases depressivas intercaladas com fases de hipomania (uma forma menos extrema da mania, com um período mais curto e comportamento menos grave), já a TAB Ciclotímico há vários períodos de sintomas hipomaníacos, sobrepostos a sintomas depressivos.
O primeiro relato é de Débora, portadora de Transtorno Bipolar e praticante zen budista:
Thalía san: poderia nos contar sobre o seu transtorno?
Débora san: O Transtorno Bipolar faz com que a pessoa, praticamente, viva entre dois polos extremos, onde de um lado tem períodos de depressão intensa e, do outro, períodos de mania, ou seja, ou se está extremamente melancólico, apático, desesperado, se considerando a pior pessoa do muito, sem energia, ou está se sentindo muito eufórico, sem razão aparente, com energia intensa, com os pensamentos a mil, sem sentir necessidade de dormir e mesmo assim não se sentir cansado, inconsequente, se sentindo a melhor pessoa do mundo; isso sem os devidos tratamentos. Quem possui essa doença precisa de medicamentos a vida inteira, pois é uma doença crônica, há uma taxa muita alta de suicídios entre os portadores de TAB. Às vezes, é difícil lidar com a questão de ter que tomar remédios todos os dias, dos efeitos colaterais, de fazer terapia, consultas psiquiátricas mensais, de analisar cada situação para identificar gatilhos que podem desencadear um episódio, mas é necessário, o pior é conviver com a doença sem o tratamento.
Thalía san: Como foi o processo de aceitação da doença?
Débora san: Acho que estou nesse processo de aceitação até hoje, apesar de todos esses anos, sempre encontro aspectos novos sobre mim mesma que impactam na minha doença, o autoconhecimento nunca termina, então todos os dias preciso aceitar o meu transtorno, aceitar que terei que fazer tratamento, aceitar que mesmo assim, ainda posso ter episódios de mania ou depressão, porque, apesar de tudo, não tenho controle sobre isso, não conheço todos os gatilhos que desencadeiam os episódios.
No início foi muito difícil, porque eu me neguei aceitar o diagnóstico por causa de todos os estigmas e preconceitos que envolvem alguém que tem algum transtorno mental, não conseguia aceitar o fato de não poder confiar em minha própria mente, não queria ser rotulada como uma pessoa desequilibrada, contudo, os estigmas, preconceitos e falta de conhecimento não estavam só nas pessoas ao meu redor, estavam em mim também. Porém, a aceitação foi mais difícil porque fui criada por uma pessoa mentalmente instável, também portadora de TAB, minha mãe, e eu não queria ser igual a ela. Por isso, na época não tomei os remédios, não fiz tratamento e logo tive episódios muito intensos, voltei ao médico e decidi seguir o tratamento, mas essas minhas idas e vindas com o tratamento ocorreram outras vezes, muitas vezes na verdade, precisei chegar ao fundo do poço para começar a aceitar o fato de que se eu não procurasse ajuda tudo só iria piorar.
Thalía san: como o Budismo influenciou a maneira como lida com o transtorno?
Débora san: Depois de alguns acontecimentos muito tristes que vivi em 2020, e que desencadearam um episódio de depressão sevara, eu estava muito mal, eu precisava, desesperadamente, acreditar em algo, nunca acreditei em Deus, apesar de ser educada numa religião cristã, sempre fui muito cética, o problema é que eu não acreditava em mim também. Eu estudava sobre o Budismo desde 2014, mas de forma isolada, nunca procurei fazer parte de nenhuma comunidade, sempre gostei muito da filosofia budista, da religião, achava que tudo fazia muito sentido, era muito bonito, contudo, não acreditava que eu me encaixaria, porque, na minha cabeça, eu era imperfeita, incompleta, eu não era boa o suficiente para o Budismo. Foi então que encontrei vídeos do Genshô Sensei, no Youtube, e ele dizia coisas tão complexas, mas de uma forma tão simples, que me encantou, tudo fazia sentido e me fazia bem ouvi-lo. Encontrei no Zen e no Dharma tudo o que busquei a minha vida toda, o Caminho do Meio, só então que aceitei verdadeiramente o meu diagnóstico, pois já que eu tenho essa doença, pode ter sido pelo meu karma ou não, sendo o que fosse, eu poderia modificar esse karma, para isso eu precisaria viver da melhor forma possível, tentando ao máximo não causar sofrimento a nenhum ser nem a mim mesma, eu precisava mudar minhas perspectivas, minha forma de olhar a vida.
No mesmo dia comecei a fazer zazen, por 5 minutos apenas, aqueles 5 minutos foram o suficiente para eu encontrar uma forma mais leve de viver, naquele dia nada de místico aconteceu, pelo contrário, não aconteceu nada, no entanto, de uma certa forma, aconteceu tudo; não consegui ficar um dia sequer sem me sentar em zazen. Hoje em dia faço meu tratamento, tomo meus remédios e me sento em zazen. Realmente não há ninguém lá fora que possa me ajudar, não há uma deidade que irá me conceder desejos, no entanto, hoje posso acreditar que eu posso mudar, posso mudar meu karma, e, talvez, a próxima manifestação que esse karma gerar possa sofrer menos.
Thalía san: Quais são as práticas budistas diárias que auxiliam no seu tratamento?
Débora san: Sentar em zazen, pelo menos uma vez ao dia, essa rotina do zazen me ajuda muito, não só por porque preciso de uma rotina, mas também preciso de momentos em que eu possa estar só comigo mesma, momentos para aquietar a mente, para enxergar a minha mente, enxergar como ela realmente é, somente eu e a parede branca; a rotina de estudos também me ajuda, porque é prazeroso estudar sobre o Dharma, sobre o Zen, isso me faz esquecer de mim mesma, quando se tem um transtorno de humor a pessoa fica muito centrada em si, não porque é egocêntrica, mas porque isso faz parte da doença, estudar o Zen, ler sobre o Dharma, sobre Buda, me faz desviar esse olhar que estava direcionado só para minha dor e enxergar o outro, fica mais fácil enxergar o outro quando tiramos nosso ego da frente; conversar com Genshô Sensei também ajuda muito, ouvir as orientações e ensinamentos dele, pois, atualmente, sinto que, depois de muito tempo de terapia, já tenho meu “Eu” estruturado para viver essa vida e o que eu quero agora é desconstruí-lo, não quero alimentar o meu ego, quero me desprender dele, então preciso ouvir quem fale sobre esquecer de si mesmo, porque já não quero falar tanto sobre mim mesma, como acontece nas sessões de terapia. O samu, ser voluntária na sangha em prol do Dharma, ajuda imensamente, fazer algo por outras pessoas é essencial, é praticar o Dharma; exercer a generosidade, seja do meu tempo, de bens matérias, de minhas palavras, não importa; a prática de Dana é muito valiosa.
Todos os ensinamentos sobre generosidade, sobre interdependência, ser uno com todas as coisas, me fez entender que tudo é muito maior do que a minha doença, do que eu, “eu não sou uma gota, eu sou o oceano”, não sou separada de nada, estou interligada a tudo, isso é esplêndido, então eu não preciso me prender a uma doença, me prender a um aspecto meu, a minha personalidade, porque o “Eu” é só uma construção mental e vai acabar quando eu morrer e as sinapses do meu cérebro se desligarem, são esses aspectos do Zen que me ajudam a mudar e moldar minha rotina pensando sempre em ajudar o outro, em servir aos outros.
Thalía san: A Primeira Nobre Verdade ensinada por Shakyamuni Buda nos diz que a vida é Dukkha, ou seja, cíclica, com altos e baixos, por isso insatisfatória, esse conceito lhe auxilia de que forma em seu cotidiano? Considerando o fato de que possui um transtorno que torna os altos e baixos ainda mais demasiados.
Débora san: A primeira vez que li a Primeira Nobre Verdade estava traduzida incorretamente, na época eu não sabia, então dizia que a vida era sofrimento e eu me agarrei aquilo, principalmente, porque eu estava sofrendo, mas não é essa a tradução correta, aprendi que a tradução correta é que Dukkha significa que a vida é cíclica, como o eixo de uma roda de carroça quando está fora do lugar, cheia de altos e baixos, isso me ajudou muito, mudou a forma como enxergava as coisas, pois viver por meio de sintomas faz você se esquecer de que cada momento é novo, porque você acaba se sentindo aprisionada aos sintomas, faz parecer que a vida está em um looping infinito, voltando sempre ao momento sintomático, o que me fazia temer muito a chegada dos episódios da doença, porque eu sentia como se vivesse de novo a mesma coisa, mas não era assim, eu que não conseguia enxergar as nuances das mudanças, mesmo dos sintomas, e isso fazia com que eu me apegasse demasiadamente nos breves momentos de estabilidade e desejasse que eles durassem para sempre, porém, nada dura para sempre, como tudo, logo, eles acabavam também, o que me fazia sofrer ainda mais, pois eu não queria voltar ao momento depressivo nem ao eufórico, eu queria ficar eternamente no momento estável.
Tem um trecho de um conto de Edgar Allan Poe que diz: “…na realidade, da alegria nasce a tristeza. Ou a lembrança da felicidade passada é a angústia de hoje, ou as agonias que existem agora têm sua origem nos êxtases que podiam ter existido.” E eu me sentia exatamente assim, ou estava triste pela felicidade passada ou no “e se”, no que poderia ter acontecido. Saber que a vida vai sempre mudar, que os momentos são únicos, que a “vida acontece a cada passo” me tranquiliza, posso me permitir não mais me apegar aos momentos bons, do mesmo jeito não me apegar aos momentos ruins, porque sei que outros momentos chegarão sejam eles bons ou não, eles também vão passar, essa é a beleza da impermanência, preciso aprender a viver no aqui e agora, nada dura para sempre, o que é muito bom, porque se nada dura você está em constante mudança, essa é uma coisa que para quem tem bipolaridade muitas vezes é muito difícil: lidar com mudanças, no entanto, o Budismo, o Dharma, fazer parte da sangha, saber que a vida é Dukka me ajudam a aceitar as mudanças da vida e as minhas próprias mudanças.
Os transtornos mentais não afetam somente os pacientes, mas podem influenciar profundamente as vidas de seus familiares e amigos. Por esse motivo trazemos também o ponto de vista de quem convive com uma portadora desse tipo de transtorno mental e que encontrou no Budismo um amparo aos desafios que essa convivência impõe.
A seguir o relato de Liana, familiar de uma portadora de Transtorno Bipolar e praticante zen budista:
Thalía san: poderia nos falar sobre o transtorno que seu familiar possui?
Liana san: Sim, é também o Transtorno Bipolar e foi diagnosticado em 2014, só que no caso minha mãe tinha outro diagnóstico, porque o diagnóstico da doença é muito difícil, ela tinha o diagnóstico de depressão vinculada com ansiedade, mas sempre foi tratado como depressão, então desde 2014, depois de um episódio mais grave de mania, que coincidiu com meu casamento, no ano em que eu saí de casa, saí em maio e em junho ela teve uma crise muito difícil, por isso depois desse episódio foi possível fechar um diagnóstico mais preciso como bipolar.
Thalía san: Quais implicações essa doença causou em sua vida?
Liana san: Falando sob a minha perspectiva, ela sempre teve um transtorno mental, desde quando eu era mais nova eu sabia que havia alguma coisa, mas não tinha um diagnóstico, aí acho que já cabe para qualquer relação de mãe e filha, os pais são criticados por tudo, é tudo culpa da mãe, algumas carências, uma sensação de vazio que eu tinha dentro de mim, principalmente da adolescência para frente, às vezes, eu atribuía muito à minha mãe, à condição que minha mãe tem, então ficava difícil saber dizer exatamente o que foi o transtorno e o que foi uma carência minha, era um certo medo de instabilidade. Eu convivi com um familiar que às vezes era extremamente carinhosa, receptiva e abraçava e em outros momentos ficava mais afastada, mais reclusa, assim você não sabe exatamente como se relacionar com essa pessoa que você tanto ama, o que esperar e nesse momento da infância nos espalhamos muito em quem a gente convive, principalmente, das pessoas que cuidam da gente dá a impressão de não ter onde se agarrar, você fica um pouco instável, a vida já é instável, mas a convivência com um familiar assim é complicada por isso, uma falta de instabilidade mínima, pois são polos extremos, vai para um lado, vai para o outro, isso dificulta para ter certa estabilidade, saber como minimamente a pessoa pode reagir, o que esperar dessa pessoa.
Thalía san: Como o Budismo e suas práticas auxiliam a enfrentar esse revés?
Liana san: Durante muito tempo, como falei, sobre essa questão do relacionamento de mãe e filha, se formos buscar lá na psicanálise a questão da mãe, da culpa da mãe, muitos dos meus vazios eu culpava o transtorno da minha mãe, eu fiz terapias, faço até hoje, isso me ajudou até certo ponto, eu ter virado mãe também me ajudou, para eu ter um pouquinho de noção, pois além do desafio da vida, o desafio de ter que cuidar de outro ser humano, então pensei em como minha mãe deve ter passado; até estudar o Budismo e praticar de fato, não só do ponto de vista intelectual, que no Zen falamos que não é só questão de estudar, mas o zazen e a prática te levam a outro nível de experienciar, então quando eu estudei o Budismo e sentei, eu tive contato, talvez, com as mesmas sensações e essa questão da vida cíclica, eu percebi que aquilo que minha mãe tinha, também tinha dentro de mim, de uma força que eu não imaginava, às vezes a gente pensa “vamos fazer mindfullness” ou utilizar algumas práticas budistas de meditação que são vendidas como se fossem receita de felicidade e paz, mas a verdade é que você vai olhar para a parede, você vai ver o que está dentro da sua mente, vai ver tudo o que está acontecendo, você verá sem nenhuma desculpa, claramente, então quando eu sentei eu percebi que eu também tinha essas angústias em mim, eu pude sentir junto com a minha mãe, foi uma interconexão muito profunda que eu estabeleci com ela e o que fez mudar totalmente a relação, de forma bem profunda.
Eu responsabilizava ela demais e gerava um pouco de rancor e hoje minha mãe está com 74 anos, numa idade que começa a exigir alguns cuidados, há essa inversão de papel, pois estou tendo que cuidar dela nesse momento. Às vezes vinha uma sensação de “nossa eu me senti tão abandonada e agora, além de ter sido abandonada, vou ter que fazer coisas por ela? ” Então o Budismo me ajuda a diminuir esse EU, esse que reclama, esse EU que demanda, esse ego que quer que os outros cuidem da gente o tempo todo, a prática da Dana, essa compaixão que vem, muito experiencial da nossa relação mais profunda, de estarmos interconectados diminui muito essa Liana que quer algo da mãe e me dá essa possibilidade que agora tenho, de forma muito positiva, de fazer algo por ela e de reconhecer o tanto que ela fez por mim, das dificuldades que ela tinha. O Budismo é um caminho lindo para gente sair um pouco desse EU, dessa perspectiva que só olha o nosso lado, ao poder enxergar além de mim, eu consegui ter uma relação muito mais bonita com a minha mãe, uma gratidão e uma vontade de fazer algo por ela cada vez mais.
Thalía san: Qual é sua rotina de prática?
Liana san: Minha mãe, minha família, é muito católica, muito religiosos, eu me lembro ainda pequena, quando tinha medo do escuro, pesadelos e chamava minha mãe, minha mãe muito religiosa, católica, usava terço, ela falava: “minha filha vamos rezar um terço”, só que eu não acreditava muito naquelas palavras, mas pela repetição, acho que eu entrava em um estado meditativo e me acalmava muito, para minha mãe a espiritualidade ajuda demais, eu sempre quis essa ajuda que ela tinha na religião, na espiritualidade, só que não servia pra mim.
Comecei a estudar o Budismo há alguns anos, mas a minha prática diária, desde o ano passado para cá, está sendo praticar o zazen diariamente, faço 40 minutos pela manhã, duas vezes na semana eu faço junto com a sangha, no mínimo uma vez por semana; também prático Dana, tento praticar os Preceitos mais difíceis, acho mais difícil no meu trabalho, pois tenho que lidar com diversos tipos de temperamento. O meu trabalho, às vezes, exige uma postura muito ostensiva e as pessoas estão com emoções a flor da pele, então eu sempre pensei que um jeito mais raivoso, mais duro seria bom no meu serviço, ao invés disso estou praticando a paciência, praticando a compaixão, a prática dos Preceitos no dia a dia é um dos maiores desafios.
Thalía san: Como essa rotina a ajudou em sua convivência e aceitação da doença da sua mãe?
Liana san: Ajudou muito, como diz a frase de Mestre Dogen “estudar o Zen é estudar a si mesmo, estudar a si mesmo é esquecer de si mesmo. ” Essa prática de esquecer de si e estar em contato com todas as coisas não é uma fórmula mágica, “eu virei budista, eu estou praticando, tenho muita paciência, tenho muito amor”, não é assim, há dias que é mais difícil, esse EU ainda fica magoado, a gente tem uma expectativa em relação a pessoa, ainda espera algumas ações ou demonstrações de afeto em certas situações, são muitos sentimentos que se intercalam, pois além da doença tem a questão da idade.
Mas não é só o Budismo, tem o processo terapêutico também, mas outra coisa que ajuda muito é perceber a impermanência, é parar de se prender naquela Liana que era criança e precisava da mãe e ela não estava lá disponível, aquilo ali já passou, tenho que aproveitar o agora, aproveitar o momento é o milagre, temos que aproveitar ao máximo, mesmo os poucos momentos de carinho que recebo da minha mãe, porque a gente não sabe até quando teremos nossos pais, não sei até quando ela estará disponível.
O Budismo me ajudou a saber que faz parte da vida esses ciclos, que as dificuldades que eu tiver, os sentimentos que me afligem na convivência com ela fazem parte, eu não reajo, não os sigo, não permito que eles cresçam e aproveito ao máximo o sentimento de compaixão, de amor e de encontro com ela. Ela é uma das pessoas que me faz querer ser uma pessoa melhor, de querer fazer o melhor, às vezes eu faço essa reflexão, dizem que é fácil gostar e querer bem o familiar, difícil é fazer isso para quem a gente não conhece, mas depende da relação, a gente tem tanta mágoa de quem está próximo que às vezes despejamos nossa raiva.
Thalía san: Nesse contexto familiar, que mudanças ocorreram em você e em sua vida após tornar-se praticante?
Liana san: Revolucionar a questão do ego, a gente vive buscando a criança interior e o processo terapêutico fica olhando muito para esse ego, o que mudou foi pensar que esse EU é uma construção mental, ele tem sua função aqui, mas não precisamos passar por essa vida em função dele, porque ele vai acabar, então quando você tira essa noção de um EU sozinho, que precisa ser cuidado, defendido, acho que melhora tudo, inclusive nossa relação com os outros.
Depois que minha mãe teve o diagnóstico correto, o auxílio de um bom psiquiatra, medicamentos, ajudou muito. Esse EU construído é o olhar que eu coloco nas situações, a situação é essa: eu sou filha de uma pessoa que tem Transtorno Bipolar, mas olha quantas outras coisas boas eu tenho na vida, o que eu tenho que pensar é o que eu posso fazer para trabalhar minha relação com ela para que esses momentos de interação sejam momentos mais agradáveis, mais amorosos, com mais harmonia, minha relação com ela era muito de raiva e agora posso mudar essa perspectiva para agradecimento e compaixão, isso fez toda diferença.
Informações Adicionais
Atualmente, não existem exames específicos para diagnosticar Depressão ou Transtornos Bipolar, por isso é importante procurar ajuda médica especializada caso seja identificado 3 ou mais sintomas para casos de Depressão e 5 ou mais os sintomas para casos de Transtorno Bipolar:
Depressão (Depressão ou Depressão Bipolar):
Sentimento de culpa; angústia; rejeição; inutilidade; desamino; choro recorrente; pessimismo e desesperança; dificuldade de concentração; insegurança; medos exacerbados; indecisões; baixa autoestima; cansaço ou baixa energia; insônia ou sono aumentado; perda de peso ou ganho; lentidão na fala ou movimentos; ideações suicidas; irritabilidade, ansiedade, inquietação ou explosões de raiva; diminuição da libido; apatia; isolamento social; sintomas físicos, como dores de cabeça, gastrite, dores muscular, e que não haja causa aparente.
Mania e Hipomania:
Irritabilidade ou agressividade; sentimento de grandeza, se imagina especial ou com habilidades especiais; autoestima excessivamente elevada; sente-se invencível; não possui senso de perigo apurado; ausência de medo em algumas situações; envolve-se em vários projetos ao mesmo tempo; fala acelerada; pensamentos acelerados; hiperatividade, sente-se com muita energia; necessidade diminuída de sono.
A família e amigos podem ajudar da seguinte forma:
Adquirir conhecimento sobre as doenças; manter atitude respeitosa e compreensiva; agir com paciência; exercer escuta ativa, sem julgamentos ou cobranças; orientar e encorajar a busca por ajuda profissional; acompanhar nas consultas, se possível; ajudar a cumprir as orientações médicas e psicoterapêuticas, como tomar os remédios; comunicar aos médicos sobre possíveis ideações suicidas; ajudar a identificar os “gatilhos”; observar se há agravamento da crise e comunicar ao médico; ajudar a construir uma rede de apoio; e, por último, mas não menos importante, cuidar de si mesmo, cuidar da própria saúde física e mental, pois quem cuida de portadores de transtorno também pode adoecer.
Idealização e entrevista realizada por Thalía de Sousa Bastos. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.
Roteiro realizado pela equipe da coluna Cotidiano.
Fontes:
http://www.clinicaprisma.com.br/depressao
https://hospitalsantamonica.com.br/saude-mental/
