Aprendendo a amar: depoimento de uma companheira de monge

 

“Através do meu amor por você, quero expressar meu amor por todo o cosmos, por toda a humanidade e por todos os seres. Ao viver com você, quero aprender a amar a todos e todas as espécies. Se eu conseguir te amar, poderei amar a todos e todas as espécies da Terra… Esta é a verdadeira mensagem do amor”. 

Thich Nhat Hanh, Ensinamentos sobre o Amor

 

Me encontrei com essa linda citação do mestre zen vietnamita Thich Nhat Hanh pela primeira vez em 2023, quando fazia meu trabalho de campo do doutorado no norte do Espírito Santo. Naquele momento, me encontrava “sozinha”, sem meu companheiro de doze anos. Anos antes, em 2014, iniciamos nosso caminho no zen budismo juntos. Fizemos nosso Jukai (cerimônia de investidura leiga) juntos, praticávamos zazen diariamente juntos, íamos a retiros, surfávamos, cozinhávamos, vivíamos juntos. 

Desde o começo, ele sempre expressou a vontade de ser monge, mas só em 2021, durante a pandemia tomou a decisão de fazê-lo. Genshô Sensei e ele me perguntavam se eu concordava e eu dizia que sim. Na minha cabeça, já habituada à ideia de um amor livre, entendia que ele deveria ter o direito de fazer o que quisesse com sua vida. 

Em 2022, fomos há um Sesshin (retiro zen budista) de Carnaval, no qual ele fez sua cerimônia de Tokudo, se tornando monge noviço na Daissen. Naquele retiro, me dei conta que isso não era apenas sobre ele ter o direito de fazer o que quisesse com sua vida. Essa decisão me envolvia, mas não no sentido de ser sobre o que eu quero ou não quero. Essa decisão me pedia para ser companheira de um monge, para apoiá-lo, assim como ele sempre me apoiara em tantas decisões da vida. 

Essa decisão, também envolvia seis meses de distância durante seu treinamento monástico no Japão. Como seria viver sem meu melhor amigo por tantos meses? Sem que pudéssemos ao menos nos comunicar? Decidimos que faríamos isso ao mesmo tempo em que eu tivesse que ir para o Brasil para meus sete meses de trabalho de campo do doutorado. No final de julho de 2023, viajei para o Brasil e em outubro do mesmo ano ele foi para o Japão. 

Me sentia feliz por ele, por vê-lo seguindo seu caminho. Mas ao mesmo tempo, sentia um certo desespero em saber que não poderia contar nem com as mensagens ou ligações de WhatsApp, estando do outro lado do mundo e enfrentando muitas situações desafiadoras. Sabia que pelos primeiros três meses não nos comunicaríamos de nenhuma forma e que, talvez, pudesse receber cartas nos outros três meses. 

Na madrugada do dia 07 de outubro, recebi o último áudio e foto dele na entrada do mosteiro que seria sua casa pelos próximos seis meses. No lugar do aperto, uma felicidade invadiu meu peito. Me lembrava das histórias dos livros zen e das contadas pelo Sensei, de quando os monges chegavam na entrada dos mosteiros e tinham que tocar o mopan e insistir dias e dias até que fossem aceitos para o treinamento. Era emocionante saber que ele estava vivendo uma experiência parecida com essa. 

Nos próximos dois meses, não soube quase nada dele, exceto pela mensagem de um monge que já estava lá há algum tempo e podia usar o telefone, que me dizia que ele estava bem e com saudade. Eu também sentia muitas saudades e tentava entender aquela nova realidade. Buscava formas de encontrá-lo, nas folhas, nos passarinhos voando, no zazen e, principalmente, em suas coisas favoritas: no vento forte batendo no rosto e balançando as árvores e ondas, nos ipês amarelos e ao olhar para a lua que era a mesma para nós. Não o encontrava, mas a rotina de zazen e de trabalho traziam conforto e não permitiam que a saudade se transformasse em sofrimento.

Ao final da temporada no Brasil, tive a oportunidade de ir ao Sesshin de Carnaval em Brasília, duas semanas antes da partida. Chegar lá e me encontrar com a Sangha (comunidade) era já emocionante; um conforto de estar em casa, uma proximidade enorme com meu companheiro que estava lá no Japão. Em meio às várias horas de zazen e a imersão no silêncio, essa proximidade ia aumentando; podia sentir muito amor. 

Em um dos dias, durante o horário de almoço formal, eu estava de pé, pois trabalhava como Jonin (ajudante na cozinha), enquanto os praticantes recitavam as invocações das refeições. 

 

Homenageamos ao ilimitado

Dharmakaya Vairochana Buddha

Ao completo Sambhogakaya

Lochana Buddha…

 

Em meio a essas palavras, senti acessar outro tempo: este momento. E neste momento, meu companheiro monge também estava lá. Tudo estava lá. Pessoas do passado que recitaram essas palavras e, também as do futuro, que algum dia também as recitarão. Neste momento, não existia passado, nem futuro. Neste momento, nunca estivemos separados. As lágrimas escorriam dos meus olhos, um sorriso se esboçava em minha face. Havia finalmente o encontrado. 

E havia entendido que nosso amor era um amor que me permitia amar a todos os seres. Um amor nutrido e crescido na Sangha, na prática do zazen, nos caminhos de Buda. Um amor-Sangha, que estava tão vivo naquele momento. Um amor sem apego, sem separações, um amor que se manifesta nos passarinhos voando, nas gotas de chuva nas folhas, na lua, no vento forte batendo no rosto e balançando as árvores e ondas, nos ipês, sentada em zazen junto com a Sangha. 

Por Nathália Fusô, DaissenJi, Soto Zen

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