Sabemos que o tema “morte” é extremamente evitado na sociedade. Desde pequena, minha família – e acredito que muitas outras – lida com a morte de maneira quase escondida, tornando essa temática algo a se evitar. Ninguém fala sobre isso, pois pode atrair maus presságios. Lidar com a morte é algo extremamente particular, assim como cada pessoa é um universo repleto de inúmeras complexidades; a morte é também um desses assuntos complexos.
Parando para pensar, as pessoas se preocupam muito mais com a “vida após a morte” do que com o que realmente está acontecendo no aqui e agora. Como deve ser do outro lado? Será que mantemos nossa identidade? Conseguimos voltar e visitar nossos entes queridos? Há uma grande curiosidade presente desde os primórdios da sociedade sobre o que existe do lado de lá. E será que isso realmente importa?
Já perdi alguns familiares durante minha existência na terra e vi familiares de amigos partirem. Mas em junho do ano passado perdi um familiar muito próximo. Acompanhei minha família ser devastada pela dor da perda, e nossos pés se movendo em um solo de muitas incertezas e medo. A morte não espera ninguém; isso é um fato. O grande mestre Thich Nhat Hanh disse em uma de suas obras que o motivo pelo qual temos tanto medo da morte é porque simplesmente não entendemos a natureza da impermanência e do não-eu. O que faz sentido, visto que a maioria das pessoas estão preocupadas apenas com o depois.
Estamos intrinsecamente interligados pelos conceitos de existência e inexistência, confusos e preocupados sobre o nosso começo e o nosso fim. Afinal, a questão do porquê nascemos e como nascemos também faz parte de uma ideia de propósito que as pessoas costumam ter. Achamos que nossa identidade permanecerá para sempre, talvez em outra vida, de algum jeito. No Zen Budismo, citando o mestre Thich Nhat Hanh: “Não há nascimento, não há morte, não há permanência, não há dissolução, não há chegada, não há partida, não há um e não há muitos”. Essa frase refere-se aos Oito Nãos do Caminho do Meio, uma prática para o fim do apego. Uma prática para refletirmos que somos puramente a existência de outras existências.
Nós somos nossa mãe, nosso pai, nossos avós e assim por diante. Existimos hoje porque outros seres existiram antes de nós, e se estamos vivos hoje é porque outros seres estão trabalhando incansavelmente para que nossa existência seja possível. Ao entendermos a impermanência de todas as coisas e a continuidade delas, podemos ser livres e cessar nosso sofrimento, principalmente o medo da morte. Somos apegados à nossa identidade, carregamos uma bagagem das coisas que gostamos, que somos, que temos, e quando morremos? Tudo é deixado, mas não é esquecido ou apagado; apenas segue seu fluxo contínuo de existência.
Estudando e praticando esses ensinamentos, pude lidar com a perda de uma forma mais leve. Claro, a tristeza se faz presente, a saudade aperta nossos corações. Somos humanos e temos sentimentos; às vezes conseguimos controlá-los, às vezes parece impossível. Mas consegui compreender que a morte apenas levou seu corpo físico, mas as lembranças ainda estão aqui. Os momentos na infância, as comemorações em família, o jeito de falar, andar e se vestir, a falta no dia a dia. Mas como budista, me acalma saber que a morte não significa a exclusão de uma existência, e sim a continuidade dela.
E não quer dizer que este ensinamento seja fácil, no começo há uma resistência de compreendemos pois sempre queremos nos apegar em alguma coisa, principalmente sobre ter a possibilidade de viver as nossas identidades “mais um pouquinho” quando morremos, quem sabe? Mas você não acha que pode ser libertador não saber o que há por trás disso tudo? E termos a única preocupação de aproveitarmos o momento presente para passar bons momentos com os nossos familiares? Certamente é uma possibilidade, quando o momento chegar, nós iremos saber e enquanto isso podemos aproveitar o grande milagre que é a vida.
Citação: A essência dos ensinamentos de Buda, Thich Nhat Hanh (p.159)
Texto por Isabela Santos, Daissen-ji, Escola Soto Zen